Brasil tem 32 milhões de trabalhadores em plataformas digitais e aplicativos
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva – nome atual do respeitado Instituto Data Popular – mostra que, em março de 2021, nada menos do que 32,4 milhões de trabalhadores adultos, ou 20% da força de trabalho do país, estavam ganhando a vida servindo ou operando aplicativos digitais.
Espantosos por si sós, os números parecem ainda mais cabeludos quando, segundo a mesma pesquisa, em fevereiro de 2020 este percentual era de 13% da população adulta. Ou seja, a porcentagem, simplesmente, pouco faltou para dobrar em apenas um ano e um mês, com um aumento de contingente de 11,4 milhões de trabalhadores formais ou informais (estes, a esmagadora maioria).
Certamente, este crescimento avassalador ocorreu muito por causa da pandemia que aflige o país desde o primeiro trimestre de 2020, mas também por razões econômico-estruturais, como a desindustrialização do país e a mecanização de boa parte da agricultura comercial, cujas velocidades aumentam a olhos vistos.
O estudo foi feito na modalidade qualitativa e foi coordenado por Renato Meirelles. Partiu de uma amostragem da Pesquisa Nacional Amostragem Domiciliar (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo ouvido 1,5 mil trabalhadores. As entrevistas foram feitas entre os dias 12 e 19 de março.
Os pesquisadores do Instituto Locomotiva advertem que esses números não se referem apenas aos trabalhadores lotados no Uber, o já quase lendário aplicativo que popularizou o uso desta ferramenta, e que acabou por dar origem ao termo “uberização” como sinônimo de trabalho precário.
O pessoal do instituto se refere a todos os trabalhadores que atuam no processo que alguns já apelidaram de “appficação”. Este conceito vai muito além do Uber, pois incluem todos os aplicativos que dispõem de trabalhadores para atingir determinados fins empresariais, e todos aqueles que se movimentam no seu universo para obteralguma renda que seja.
A febre teria se disseminado, principalmente, devido à enorme facilidade de criação de aplicativos e à sua também extrema facilidade de manuseio e controle. De fato: um aplicativo não passa de um software adaptado a um telefone celular, que por sua vez é uma versão da internet tornada móvel ou embarcada.
Isso fez essas versáteis ferramentas marcassem a ampliação do domínio da tecnologia sobre todos os demais setores, incluindo até os setores mais “pesados”, como a indústria, a agricultura e a mineração, embora a disseminação maior esteja, naturalmente, nas áreas de serviços e comércio em geral.
DELIVERY & AFINS – A pesquisa tabulou tanto os que trabalham integralmente para os aplicativos, quanto os que se movimentam neles em tempo parcial para aumentar a renda familiar. Inclui não só os tradicionais prestadores de serviços, como de transporte e entregas – ou delivery, no jargão do comércio tupiniquim – mas também os milhões de trabalhadores que captam clientes no mundo da internet e os técnicos, mais qualificados e melhor remunerados, que atuam na criação, desenvolvimento e manutenção destas ferramentas digitais.
De acordo com o estudo, os números mostram que um dos efeitos da appficação é o deslocamento dos modos de produção para uma espécie de informalização generalizada – e de fato, as plataformas já são, e não apenas no Brasil, os maiores empregadores de trabalhadores informais do mercado.
A pesquisa, na verdade, vai de encontro a estudos acadêmicos recentes que inserem o trabalho digital no assunto mais geral da chamada “economia de plataforma”, na qual as plataformas devem ser vistas como meios – ou intermediação – da produção (comércio eletrônico, o e-commerce) e também como meios de comunicação, como no caso das redes sociais.
Para boa parcela destes estudos, no entanto, a tecnologia vem ganhando importância especialmente como instrumento digital que realiza a intermediação entre a produção e o consumo. Na prática, trata-se de uma infraestrutura que atua remetendo a uma quase revolução da etapa de circulação das mercadorias, dentro do trinômio clássico produção, circulação e consumo.
As plataformas digitais estariam, assim, transformando as relações de trabalho (produção) e as formas de interação (comunicação) na sociedade, de certa forma fundindo-as e interligando-as, aumentando muito o poder das empresas que manejam a tecnologia de integração entre elas.
O resultado disso tem sido a transformação das empresas em plataformas, umas imbricadas às outras, trazendo como consequência a precarização e a superexploração generalizada do trabalho, dada a dificuldade dos trabalhadores de se organizarem contra esta situação, por causa da atomização em que são jogados.
Muitos estudiosos chegam a classificar o “plataformismo” como uma fase posterior ao fordismo e ao toyotismo, e como um ciclo ainda mais agudo e intenso de acumulação. Outros preferem defini-lo como um “neo-taylorismo”, na medida em que exerce um controle e uma supervisão total sobre o tecno-trabalhador – comandado pelos algoritmos das plataformas digitais -, além de também adicionar a ideia da acumulação flexível do toyotismo. (Alberto Mawakdiye)