Eletrônica e Informática

Aplicação de raios laser pode ser um tratamento eficaz no controle da hipertensão arterial

Na cultuada série de TV Jornada nas Estrelas, os médicos da nave interestelar “Enterprise” são useiros e vezeiros em recorrer a “injeções” de raios para tratar das mais variadas doenças, desde um prosaico resfriado até uma hemorragia cerebral. Nas mãos do dr. McCoy, essas injeções são como uma espécie de varinha de condão.

A tecnologia atual ainda não chegou a tanto, mas pelo menos um desses raios, o laser, é uma ferramenta da medicina que praticamente já deixou o mundo da ficção científica, inclusive no que diz respeito à abrangência de utilizações. E não é de hoje.

De fato, as primeiras experiências do uso do laser na medicina aconteceram ainda na década de 1960, a mesma em que a série começou a ser produzida. Pode-se até dizer, neste caso, que foi a ficção que acompanhou a realidade, e não o contrário.

A princípio utilizado na dermatologia e na oftalmologia, o laser foi, aos poucos, sendo incorporado por outras especialidades médicas, como ginecologia, oncologia, cardiologia, urologia e odontologia – sempre na forma de aplicações específicas, ou pontuais. Da mesma maneira, aliás, que em outras áreas de atividade, como a indústria de transformação, os transportes, as telecomunicações, o entretenimento.

Na medicina, parece ter chegado a hora de o laser ser empregado para tratar da hipertensão arterial. Uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no interior paulista, está avaliando o desempenho da pressão arterial de pessoas hipertensas e de outras com pressão arterial normal diante da aplicação de laser de baixa intensidade em diferentes regiões da pele.

O estudo – denominado “Utilização do laser de baixa intensidade na hipertensão arterial: uma nova abordagem no tratamento” – vem sendo realizado sob a égide do pesquisador Júlio Cesar Conceição Filho, dentro do Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas, parceria entre a Ufscar e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), e já está bastante adiantado.

O objetivo da pesquisa é buscar uma opção eficaz e com custos mais baixos para o controle da hipertensão, doença que afeta um número impressionante de brasileiros. De acordo com o Ministério da Saúde, 25,7% da população brasileira é hipertensa. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 14,2% nos casos de hipertensão arterial, principalmente em mulheres.

Pior do que isso: trata-se de uma doença cuja gravidade não pode ser subestimada. Segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão, o problema causa 300 mil mortes por ano no país, sendo responsável por 40% dos infartos, 80% dos derrames e 25% dos casos de insuficiência renal terminal. E o tratamento médico convencional é ainda bastante singelo e de efetividade duvidosa.

De modo geral, a hipertensão arterial é tratada – e prevenida – com medicamentos de uso contínuo aliados a uma dieta equilibrada e à adoção de hábitos de vida saudáveis. Ou seja, é recomendável evitar o cigarro e o álcool, ser menos susceptível ao estresse, combater a obesidade, diminuir o consumo de sal e de alimentos gordurosos e fritos, enlatados e embutidos, refrigerantes e sucos de caixinha. E dar preferência a frutas, vegetais, sucos naturais, sopas, aves, peixe, leite e derivados na forma light. Uma lista, para muitos, quase impossível de cumprir.

USO PELO SUS – A ideia da pesquisa, de acordo com Conceição Filho, surgiu após testes preliminares com raios laser realizados em aortas (veias principais do coração) de ratos – previamente isoladas – e também de testes diretos em animais hipertensos.
“Foram feitos testes sobre diferentes modelos de hipertensão em animais, e ficou demonstrada em todos eles uma efetiva diminuição da pressão arterial”, afirma o pesquisador. Ele reconhece, no entanto, que ainda não há um consenso sobre o alcance da atuação do laser na pressão arterial: “O que já se sabe é que ele estimula alguns fotorreceptores que reagem a comprimentos específicos de luz”, diz.

No âmbito da pressão arterial, especula-se que o laser pode estimular a liberação de óxido nítrico presente na hemoglobina, ou a liberação de estoques deste ácido que existam no sangue e em tecidos do organismo. O pesquisador explica que o óxido nítrico é um potente vasodilatador, que pode ocasionar a diminuição da resistência dos vasos ao fluxo sanguíneo, diminuindo assim a pressão arterial.

De acordo com ele, os experimentos realizados na Ufscar – e, anteriormente, também em outros lugares – já demonstraram que a ação do raio laser está relacionada à liberação de ácido nítrico, e a uma diminuição de pressão arterial em ratos obesos e hipertensos. “Mas o problema é que ainda é preciso compreender como ocorre a liberação dessa substância”, afirma.

A aplicação do laser é sempre feita diretamente sobre a pele, de forma não invasiva. A novidade da pesquisa está na sua intenção de mostrar o efeito da aplicação aguda do laser, com o objetivo de avaliar tanto a duração do efeito como o mecanismo de ação, e assim estabelecer uma posologia de aplicação. A expectativa é de que a irradiação do laser possa não só promover a redução da pressão arterial em indivíduos hipertensos, como abrir caminho para a reversão duradoura da moléstia.

Para Conceição Filho, as vantagens do uso do laser para controle da hipertensão arterial, caso sejam alcançados os mesmos efeitos observados em animais, é que as chamadas “respostas pressóricas” são instantâneas, a aplicação é fácil e não produz, aparentemente, nenhum efeito colateral. Outra vantagem é o baixo custo dos equipamentos comparado ao custo dos medicamentos, o que pode beneficiar o Sistema Único de Saúde (SUS).

“No futuro, cada posto de saúde poderá ser equipado com aparelho similar ao que utilizamos nos testes. Esse aparelho, se manuseado corretamente, funciona por tempo indeterminado, enquanto os medicamentos têm prazo de validade e necessitam de um controle muito maior”, observa o pesquisador. “A tecnologia também poderá estar presente dentro de hospitais e até nas casas das pessoas, mesmo porque o Brasil já possui tecnologia para a produção e o aprimoramento da aplicação do laser”.

O próximo passo da pesquisa será a realização de testes em seres humanos. Estão sendo convidados homens e mulheres entre 25 e 75 anos que sejam hipertensos e não façam tratamento e uso de medicamentos para controle da pressão arterial. Eles também não podem ter o diagnóstico de hipertensão, mas já apresentarem quadros hipertensivos em que a pressão ultrapassou 130×90 mm/Hg. Pessoas que tenham histórico de hipertensos na família também serão aceitas.

Serão realizados dois encontros com os voluntários para triagem, orientação, coletas de sangue, aplicação do raio laser e aferição da pressão arterial. Essas atividades serão realizadas no Departamento de Ciências Fisiológicas (DFC) da Ufscar. Os interessados podem entrar em contato com o pesquisador pelo telefone (16) 3306-6749 ou pelo e-mail jcjpinter@gmail.com. (Alberto Mawakdiye).

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