Hub ports poderiam triplicar a movimentação de transbordo de contêineres no Brasil
O setor portuário é dinâmico e exige um complexo planejamento de longo prazo. Se, por um lado, são necessários investimentos bilionários para implantar novas infraestruturas, por outro, a indústria de navegação, sujeita a crises periódicas e constantes ajustes, demanda alta flexibilidade e respostas rápidas para se manter resiliente, de modo que não haja interrupções nas cadeias logísticas de importadores e exportadores. Diante desse cenário, em que há a necessidade de planejamento para concatenar diferentes demandas de forma eficiente, a A&M Infra, o Navarro Prado Advogados e a APM Terminals apresentam o estudo técnico inédito “Contribuições para o planejamento da consolidação de hub ports no Brasil”.
A análise avalia como o perfil da indústria de transporte marítimo de contêineres, a alta competição de mercado e outros fatores direcionam os armadores a buscarem iniciativas para se diferenciarem, diante da concorrência acirrada. Um dos principais propulsores é a busca por economias de escala, que aposta em navios de grande porte, capazes de transportar maiores quantidades de carga, fenômeno recorrente desde o advento dos contêineres.
Se, em portos internacionais, a classe de navios de 366m de comprimento opera há anos em rotas fixas, no Brasil, é motivo de comemoração e muito preparo recebê-la pontualmente. O estudo aponta que, historicamente, novas classes de navios começaram a escalar a costa brasileira somente depois de 8 a 15 anos do início de sua operação em portos na Europa. Atualmente, essa defasagem é crescente para os navios 366m (que operam em Rotterdam desde 2006), principalmente por conta de falta de infraestrutura que permita o recebimento de tais navios. Se houvesse a infraestrutura adequada, as escalas destes navios no país poderiam estar ocorrendo desde 2018.
Em âmbito global, para que os meganavios operem com altos níveis de ocupação e tempo reduzido para carga e descarga, limitam-se as escalas a determinados portos (hubs), que passam a concentrar volumes de transbordo destinados a portos menores – estes, por sua vez, atendidos por navios de menor porte (lógica de distribuição de cargas conhecido como hub-and-spoke). Essa tendência mundial do setor otimiza a logística como um todo. Apesar disso, por questões estruturais dos portos nacionais, o Brasil está defasado e ainda não conta com uma estrutura como esta.
O levantamento também traz estimativas do quanto um hub port pode impactar positivamente os custos e a competitividade do comércio exterior brasileiro e da economia regional. A utilização de grandes navios em modelo hub-and-spoke em um serviço típico que liga a ECSA (Costa Leste da América do Sul) à Ásia, por exemplo, poderia proporcionar redução de custos do transporte marítimo na ordem de 13%. Como exemplo prático, se tal solução viesse a ser adotada para os principais serviços dessa rota (conforme o cenário “arrojado”), a economia total poderia ser de cerca de R$ 600 milhões ao ano, em 2030 – esse valor não considera o efeito análogo para as demais tradelanes, para as quais a redução de custos ainda não foi quantificada.
Esse modelo também poderia aportar ganhos operacionais importantes. A operação de um hub eficiente, em coordenação próxima com os serviços de navegação, permitiria reduzir os tempos de layover (conexão de um contêiner entre o navio de longo curso e o de cabotagem), que hoje são de 5 a 7 dias nos portos brasileiros, mantendo tempos de trânsito competitivos para as cargas.
Além disso, poderia minimizar o número de escalas do serviço principal de longo curso (internacional), reduzindo o risco de atrasos e evitando que os impactos de eventuais contratempos se propaguem ao longo de todas as escalas seguintes, ampliando a resiliência da cadeia. Adicionalmente, ao conectar serviços de feeder ao hub de forma mais eficiente, amplia-se a conectividade de portos menores com as diferentes linhas dos armadores e portos de destino, fomentando também os mercados e regiões em que estão inseridos.
“A consolidação de um ou mais hub ports no Brasil significaria um acréscimo potencial de até 4,6 milhões de TEUs de transbordo, em volumes de 2023. Em comparação, o total de movimentos de transbordo realizados no Brasil foi de aproximadamente 2,4 milhões de TEUs, em 2023 – isto é, num cenário mais arrojado para a implementação da dinâmica de hub ports, o volume de transbordo no Brasil poderia triplicar”, afirma Leonardo Levy, diretor de Investimentos da APM Terminals para as Américas. “Isso significaria elevar a incidência de transbordo média dos portos brasileiros, dos atuais 18%, para algo entre 30% e 40%”, completa o executivo.
POTENCIAIS HUB PORTS NO BRASIL – De acordo com Marcos Pinto, sócio-diretor da consultoria A&M Infra, o Porto de Santos (SP) é um candidato natural e grande favorito a se tornar um hub brasileiro. “Além de ser o maior porto da América Latina, e responder por cerca de 40% da movimentação nacional de contêineres, é o único que recebe praticamente todas as linhas de longo curso (internacionais) que passam pela Costa Leste da América Latina”, informa o executivo. “No entanto, ao considerar a realidade santista, a infraestrutura é um dos principais pontos que impactam negativamente esse potencial, com um acesso aquaviário que não permite a operação de novas classes de navios em sua plena capacidade”, complementa.
De acordo com o estudo, além do Porto de Santos (SP) – favorito por sua proximidade ao maior centro produtor/ consumidor do país e diversidade de serviços de Longo Curso -, outros portos que também poderiam se tornar hubs no Brasil incluem: Paranaguá (SC), Itapoá (SC), o complexo Itajaí-Navegantes (SC), Suape (PE) e Pecém (CE), por fatores como o posicionamento de players verticalmente integrados, a possibilidade de expansões relevantes de capacidade e a facilidade de adequação do acesso aquaviário. Esses atributos podem ainda conduzir a arranjos que favoreçam outros portos no planejamento de importadores/ exportadores, armadores e/ ou serviços específicos.
Segundo Lucas Navarro Prado, sócio do escritório Navarro Prado Advogados, o planejamento integrado de transportes e demais instrumentos oficiais de planejamento setorial deveriam contemplar a implantação de hub ports no país. “O Brasil tem vocação para o desenvolvimento de hubs regionais e a adoção de soluções hub-and-spoke beneficiaria as cadeias de comércio exterior. Portanto, o planejamento oficial deveria ter um olhar positivado sobre a questão – refletido em todos os seus instrumentos -, buscando coordenar e gerar previsibilidade sobre as ações, ouvir a sociedade civil e conferir maior segurança às decisões de investimentos, com impacto favorável em termos de atratividade e mobilização de recursos.”
IMPACTOS – O levantamento afirma ainda que a adoção do sistema de hub ports impactaria positivamente diversos setores da logística e infraestrutura nacionais:
– Aumento na arrecadação dos portos/ autoridades portuárias: O acréscimo de movimentos realizados – atração de cargas da região do Rio da Prata (Argentina, Paraguai e Uruguai), que hoje não passam pelo Brasil, e operações adicionais de transbordo para outros portos brasileiros – deve gerar um aumento na arrecadação dos portos e autoridades portuárias brasileiras, por meio das tarifas pelo uso de infraestrutura e de eventuais valores de arrendamento variável previstos nos contratos.
A título de exemplo, considerando os volumes adicionais de carga de transbordo estimados e os parâmetros de receita atuais (estrutura tarifária e arrendamentos variáveis) do Porto de Santos (SP), estima-se que o acréscimo de receita proporcionado poderia ser na ordem de R$ 60 milhões/ ano, num cenário conservador, e até R$ 160 milhões/ ano, num cenário mais arrojado (para volumes de 2023).
– Redução nas emissões de CO2: O emprego de navios de maior capacidade e conteúdo tecnológico mais moderno nas viagens de longo curso (90% da distância navegada) pode permitir reduções importantes no consumo de bunker e, consequentemente, nas emissões de gases do efeito estufa (GEE) para cada contêiner transportado. Além disso, pode gerar uma demanda por combustíveis de baixo carbono na costa brasileira, uma vez que os navios mais modernos são maiores, alguns já navegam com combustíveis com baixa de carbono e a infraestrutura adequada lhes permitiria utilizar toda a sua capacidade.
– Desenvolvimento das indústrias naval e de combustíveis no Brasil: As escalas frequentes de navios de grande porte (366m) e o aumento do número de navios/ viagens de cabotagem poderia gerar uma maior demanda de docagem/ manutenção, suficiente para justificar mais investimentos na indústria de construção naval especializada. Ainda, poderia criar escala tal que viabilizasse a estruturação de uma indústria de bunkering (abastecimento) de navios, abrindo espaço para que o Brasil se posicione como um produtor/ exportador de combustíveis verdes para navegação, por exemplo.
– Otimização dos investimentos em dragagem: Com planejamento adequado, a organização do mercado de navegação sob um modelo hub-and-spoke possibilitaria racionalizar investimentos em dragagem em um ou em alguns poucos portos, de forma planejada, evitando investimentos redundantes e/ ou mal alocados, sem a contrapartida esperada em atracações/ demanda.
“Por esses motivos, alcançado um volume crítico de contêineres, o desenvolvimento de um hub, em qualquer porto do mundo, é visto como uma oportunidade relevante e tratado como tal pelos executores de políticas públicas e responsáveis por seu desenvolvimento. Isso não pode ser diferente no Brasil e, em grande medida, nosso arcabouço legal e regulatório já está preparado para permitir esse desenvolvimento”, avalia Marcos Pinto.
“É indispensável que o planejamento público do setor portuário e de transportes contemple o tema da consolidação de hub ports no Brasil. O ambiente dos portos organizados deve ter a flexibilidade e as ferramentas adequadas para perseguir o alinhamento de incentivos e a cooperação com armadores/ operadores para que o sucesso na implantação de um hub port seja possível”, conclui Lucas Navarro Prado.