Indústria brasileira apoia o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE, mas está cautelosa
A indústria brasileira, de modo geral, recebeu com satisfação – mas com certa cautela e ansiedade em algumas áreas – o acordo de livre comércio envolvendo os 28 países da União Europeia e as quatro nações que fazem parte do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), fechado no último dia 28 de junho.
Os países dos dois blocos formarão uma das maiores áreas de livre comércio do planeta – juntos, representam 25% da economia mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas. O acordo eliminará as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos.
Trata-se de uma abertura e tanto. Hoje, apenas 24% das exportações brasileiras entram livres de tributos no bloco europeu, por exemplo. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), dos 1.101 produtos que o Brasil tem condições de exportar para a UE, 68% enfrentam tarifas ou cotas.
Os 10% de produtos que não terão suas tarifas eliminadas entrarão em um regime preferencial, com cotas e reduções tarifárias parciais. Essas cotas funcionarão como uma medida de proteção para setores tidos como estratégicos pelos dois blocos, nos quais também serão determinados volumes máximos que podem ser negociados. O processo de eliminação de tarifas variará conforme cada produto e poderá levar até 15 anos contados a partir da entrada em vigor da parceria.
Para dar alguns exemplos, o acordo determina, na área agrícola, que produtos como suco de laranja, frutas (melões, melancias, laranjas, limões, entre outras), café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais terão as tarifas eliminadas. Mas os exportadores brasileiros entrarão em um regime de cotas (ainda não definidas) na venda de carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz, ovos e mel.
Já na produção industrial, por sua vez, o acordo prevê eliminação de tarifa de 100% dos produtos. Assim, reduz, por exemplo, de 17% para 0% as tarifas de importação de produtos brasileiros como calçados e aumenta a competitividade de bens como têxteis, químicos, peças automotivas e aeronáuticas e artigos de madeira.
“Esse acordo cria novas e enormes oportunidades de exportação para a nossa indústria, ao mesmo tempo em que abre o mercado brasileiro para produtos e serviços europeus de ponta. Vai inserir o Brasil de maneira para lá de positiva na economia internacional”.
Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Segundo a CNI, o acordo poderá incrementar em US$ 9,9 bilhões (R$ 38 bilhões) as exportações brasileiras para o bloco europeu e terá potencial para gerar 778,4 mil empregos. Carnes, soja, café, bebidas e tabaco estão entre os itens mais comercializados hoje pelos países do Mercosul no mercado europeu. Este portfólio deverá ser enriquecido, agora, com bens industriais e produtos semiacabados.
“Com certeza, o acordo irá proporcionar um acréscimo de no mínimo 30% nos nossos negócios”.
Afonso Gonzaga, presidente da Associação Brasileira de Fundição (Abifa)
Mas há setores temerosos de que o maior poderio financeiro e tecnológico dos novos parceiros industriais europeus possa fazê-los ocupar partes desproporcionais do mercado interno brasileiro. Este é o caso das fabricantes de veículos automotores, que embora sejam todas elas empresas multinacionais, receiam ter de enfrentar um tipo de concorrência mais acirrado do que o que ocorre atualmente dentro no país. São acompanhadas neste temor pelas fabricantes de autopeças.
“A indústria automotiva brasileira precisa aproveitar os anos necessários até a aprovação efetiva do acordo para ganhar produtividade e reduzir custos, se não quiser ser ofuscada pela concorrência externa. Isso dependerá também da realização de reformas estruturais que atraiam investimentos para o país e aumentem o nível de competitividade das empresas instaladas aqui. Mas pelo menos o Brasil agora tem data para estar preparado”.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)
Outro setor preocupado é o de fabricação de máquinas e equipamentos industriais. No caso, pela falta de informações mais precisas de como o acordo de abertura comercial irá afetar o mercado brasileiro. Embora favorável a ele, a Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) diz que ainda não há clareza sobre questões de relevância para a indústria de bens de capital, como cronogramas, regras de origem, compras públicas e defesa comercial.
Por isso, a entidade aguarda a divulgação dos textos finais do acordo para melhor avaliação dos impactos no setor. De qualquer modo, assim como as fabricantes de automóveis, os produtores de máquinas acham que qualquer competição só poderá ser minimizada com a adoção de uma agenda de competitividade para o segmento.
“Sempre foi difícil para o nosso setor negociar com mercados estrangeiros. Queremos saber quais serão efetivamente as oportunidades e os riscos. Precisamos que o acordo seja mais detalhado para analisarmos”.
Patrícia Gomes, diretora executiva de mercado externo da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq)
Naturalmente, algumas projeções já foram feitas por especialistas em mercado exterior sobre os ganhos e perdas de ambos os parceiros do acordo. No caso da agricultura, o resultado obtido é de perda significativa para os produtores da UE e ganhos significativos para os produtores do Mercosul em todos os cenários. Em particular, as simulações indicam forte expansão da exportação de carne (principalmente bovina), óleos vegetais e gordura e frutas e verduras do Mercosul.
No entanto, a perda de € 2 bilhões a € 3 bilhões no setor agrícola da União Europeia seria mais do que compensada pela expansão de mais de € 9 bilhões na produção da indústria de transformação, expandindo assim o Produto Interno Bruto (PIB) do bloco como um todo.
No caso do Mercosul, a perda para os setores industriais seria de € 1,4 bilhão, ante uma expansão de € 1,6 bilhão a € 2,4 bilhões na produção agrícola, o que também geraria um ganho líquido para os países do sul – menor do que para a UE em termos absolutos, mas maior em relação ao nível inicial do PIB.
Diante destes números, favorável ao agronegócio, mas desfavorável à indústria, alguns economistas vêm criticando acerbamente a aceitação pelo Mercosul da remoção de tarifas em setores-chave principalmente da indústria brasileira, como automóveis, autopeças, químicos e fármacos. Afirma que os efeitos de curto prazo podem até serem positivos para os dois blocos. Porém, os benefícios de longo prazo para o Mercosul seriam menos evidentes, pois eles podem vir acompanhados pelo aprofundamento do processo de desindustrialização do país.
“É verdade que boa parte das cadeias industriais brasileiras já foi desmantelada desde a abertura comercial dos anos 1990 e, a partir de 2009, com a entrada mais massiva de produtos chineses. Mas o novo acordo pode ser a pá de cal para o que havia sobrado da indústria brasileira do século 20 e, o que é pior, para as pretensões de desenvolver novos setores de alto valor agregado e de maior conteúdo tecnológico no século 21”.
Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP)
No entanto, há economistas que acham justamente o contrário, discordando dos que alegam que o acordo possa prejudicar a indústria brasileira. Eles acreditam que, pelo contrário, como os brasileiros conseguirão importar insumos mais baratos, poderão tornar mais competitivos os seus produtos industriais. Para a área de tecnologia e inovação, o cenário também será positivo, já que, hoje, a falta de inovação no país é alimentada pela dificuldade de se conseguir produtos que venham de fora para dentro de uma economia ainda muito protegida.
“Obviamente, é necessário cautela, mas em princípio as novas regras vão trazer dinamismo e novas possibilidades para a economia brasileira”.
Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Mas diga-se que nada ainda neste acordo é definitivo, mesmo ele tendo sido, até agora, apenas pouco mais do que esboçado. O acordo ainda terá que ser aprovado pelo Congresso Nacional no Brasil, pelos dos outros países do Mercosul e nas duras votações no Parlamento Europeu. Muitas novidades poderão surgir a partir daí. (Alberto Mawakdiye)