Movimento pelo banimento do reconhecimento facial em espaços públicos ganha força também no Brasil
Desde ontem, dia 21 de junho, mais de 50 parlamentares de diferentes partidos apresentam projetos de lei pelo banimento do reconhecimento facial em espaços públicos. A iniciativa #SaiDaMinhaCara demonstra um consenso multipartidário sobre o caráter invasivo e discriminatório dessa tecnologia, principalmente quando aplicada sob uma pretensa narrativa de segurança pública. Com essa “chuva” de projetos de leis, o Brasil entra na tendência mundial de restringir determinados usos de tal tecnologia, de acordo com o Idec-Instituto de Defesa do Consumidor.
Polos de desenvolvimento dessa tecnologia já eliminaram seu uso para fins de policiamento. São Francisco, onde estão localizadas as grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício, foi a primeira cidade dos Estados Unidos a aprovar, em 2019, a proibição do uso do reconhecimento facial pela polícia e outras agências públicas. Em 2020, foi a vez de Boston e Cambridge, onde estão localizados Harvard e o MIT, polos universitários do debate tecnológico. Na Europa, em outubro de 2021, o Parlamento Europeu também votou a favor do banimento após manifestação da Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD).
Agora, 12 estados e o Distrito Federal tiveram PLs apresentados no Brasil, seja no âmbito estadual ou municipal. São eles: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo.
As razões para o banimento são várias. Estudos comprovam que essa tecnologia é falha e cheia de vieses, com margem de erro particularmente gritantes quando se trata de rostos de pessoas negras, principalmente se forem mulheres ou pessoas trans. O resultado disso é que, se essa tecnologia é utilizada pela polícia e identifica erroneamente alguém, torna-se bem difícil argumentar contra uma máquina que você é você e não alguém procurado pela Justiça.
E isso já está acontecendo. No Brasil, desde 2019 houve uma expansão da implementação do reconhecimento facial sob pretexto da segurança pública. No segundo dia de teste dessa tecnologia no Rio de Janeiro, uma mulher foi detida ao ser confundida com uma mulher que já estava em privação de liberdade. No Piauí, um homem foi transferido para o DF e preso injustamente por três dias após um sistema de reconhecimento facial apontá-lo erroneamente como pessoa procurada. Em Salvador, um rapaz de 25 anos com necessidades especiais foi abordado por policiais após ser confundido com um homem procurado por assalto.
Com o temor de serem acusadas de alimentar racismo e mais violência policial, ainda mais depois do assassinato de George Floyd, grandes empresas como IBM, Microsoft e Amazon já não vendem esse tipo de tecnologia para autoridades estatais e para fins de policiamento. Mas muitas outras empresas estão por aí, fazendo vendas milionárias e acordos com governos. Uma tecnologia falha e imprecisa que custa caro para o setor público.
Na Bahia, anunciou-se a expansão do sistema de reconhecimento facial para mais de 70 municípios do interior, com o gasto de R$ 665 milhões de reais. Em algumas cidades que “ganharão” as câmeras, faltam escolas, hospitais, serviços de acesso à Justiça, e outros. Mesmo quando uma empresa se oferece para “doar” câmeras, o barato sai caro: aumentam-se gastos com pessoal para usar uma tecnologia que não funciona; a empresa lucra testando seu algoritmo com dados da nossa cara e acaba criando laços com o ente público que podem facilitar ganhar licitações futuras sobre o tema.
Não se trata apenas de aprimorar o algoritmos falhos com tendências racistas. Mesmo que essas tecnologias evoluam para funcionar perfeitamente, outra crítica recorrente à implementação desses sistemas em espaços públicos é a vigilância em massa. Em uma perversa reversão da presunção de inocência, todas as pessoas no exercício de seu direito fundamental de ir e vir passam a ser tratadas como suspeitas, filmadas, vigiadas e potencialmente identificadas, sem consentimento. Essas são algumas das preocupações endereçadas pela iniciativa #SaiDaMinhaCara.
A iniciativa #SaiDaMinhaCara é estimulada pela Coding Rights, MediaLab-UFRJ/Rede Lavits, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – (CESeC), organizações especialistas em temas de tecnologia, segurança e direitos humanos que mobilizaram parlamentares em torno da pauta. Os primeiros projetos de lei foram protocolados em 08 de dezembro de 2021 pela Deputada Estadual Dani Monteiro – Psol RJ (Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) e do Vereador Reimont – PT (presidente da Comissão de Monitoramento no Tema Cidades Inteligentes, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro).