Navegação de cabotagem segue em crescimento
Um modal de transporte dado como praticamente morto no Brasil na década de 1990, a navegação de cabotagem – aquela feita entre portos de um mesmo país, dentro das águas costeiras, ou em países vizinhos, desde que em distâncias pequenas – hoje vai muito bem de saúde, obrigado.
Não para de crescer a lista de setores empresariais que vem sondando o potencial da cabotagem. Já transportam produtos por navio – algumas ainda em pequena escala, é verdade – empresas de áreas tão distintas como a de eletroeletrônicos, química, siderurgia, bens de consumo, commodities agrícolas e minerais, produtos alimentícios e até veículos automotores e autopeças. Desde 2008, essa alternativa de transporte vem registrando um crescimento anual médio de 10%.
O porto de Rio Grande (RS), por exemplo, vê aumentar desde 2013 o transporte de arroz para Itaguaí (RJ), Suape (PE), Fortaleza (CE) e Manaus (AM). De 2016 para cá, aumentou também o carregamento de móveis do sul para o nordeste do país.
E o segmento está sabendo aproveitar as oportunidades. O aumento do custo do frete rodoviário devido ao tabelamento adotado pelo governo para acabar com a paralisação dos caminhoneiros, deflagrada em maio do ano passado, deu um impulso extra à cabotagem brasileira.
“Por causa do empuxo da greve, no final do primeiro semestre de 2018 alcançamos simplesmente 13% de expansão”.
Cleber Cordeiro Lucas, presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) e vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma).
De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o total de cargas movimentadas pela navegação de cabotagem, em 2017, foi cerca de 157 milhões de toneladas. A cabotagem passou então a responder por 10% do total das cargas brasileiras transportadas.
Os tipos de carga mais movimentados foram o granel líquido e gasoso (75,3%), granel sólido (13,6%), carga conteinerizada (7,6%) e carga geral (3,5%). Por grupos de mercadorias, os combustíveis e óleos minerais responderam por 73,1%, os minérios e escórias por 12,5% e os contêineres por 7,6%.
Vários fatores vêm contribuindo para o renascimento da cabotagem no Brasil, uma modalidade que começou a definhar, assim como a ferroviária, depois que as rodovias passaram a ser o principal escoadouro de cargas e passageiros no país, a partir do final da década de 1950.
Em sua época áurea, na primeira metade do século passado, quando as estradas de rodagem eram praticamente inexistentes e a maior parte das ferrovias apenas ligavam as cidades produtoras de artigos agrícolas do interior aos portos exportadores, a cabotagem era a única opção para o transporte interestadual de mercadorias. A cabotagem também se responsabilizava pelo transporte de passageiros, feito em geral nos “itas”, tipo de embarcação que ficou para sempre no imaginário popular. Portos de pequeno porte existiam em todo o litoral do país.
Ironicamente, foi o estado de contínua deterioração da malha rodoviária brasileira, aliado à crônica falta de segurança nas estradas, o principal motivo que fez os empresários voltarem a olhar para a cabotagem. Mas a adoção da modalidade só foi tornada possível com o fim da inflação, em meados dos anos 1990.
O Plano Real, implantado em 1994, viabilizou, por assim dizer, o retorno da cabotagem ao centro do palco. Como o transporte por navio é necessariamente mais lento, em um quadro hiperinflacionário, como o daquela época, a mercadoria era embarcada com um preço e chegava ao destino com ele totalmente desalinhado. Esse “gap” praticamente intransponível deixou de existir, e o mar então se abriu.
Outro fator foram os investimentos na modalidade, cada vez mais presentes a partir do ano 2000. Empresas de navegação poderosas, como a Aliança, passaram a atender também a cabotagem. O estímulo do Fundo da Marinha Mercante (FMM) do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil ao setor também foi digno de nota.
De 2010 para cá, o fundo já financiou nada menos do que R$ 9,39 bilhões para a construção de 27 embarcações de cabotagem. Atualmente, têm recursos investidos em seis embarcações dessa modalidade que estão em construção. Os repasses também influenciam, naturalmente, no aquecimento da economia e na geração de empregos.
“Acreditamos na eficácia da navegação de cabotagem e buscamos, na medida do possível, incentivar e fomentar essa indústria. Esse financiamento parcial, para dar continuidade à construção de mais seis embarcações, mostra que estamos realmente empenhados nisso”.
Valter Casimiro, então ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil.
Mas, como em tudo na vida, a navegação de cabotagem apresenta vantagens e desvantagens. Para começo de conversa, é um modal de transporte muito mais barato do que o rodoviário, praticamente empatando em termos de custos com o ferroviário. E é também muito mais seguro – não se tem notícia de atuação de piratas no Brasil.
A cabotagem brasileira já é beneficiada, de saída, por possuir aproximadamente 8 mil km de costa navegável, ter uma infraestrutura portuária bastante desenvolvida, com considerável número de portos herdados da época do auge da modalidade – e hoje com muitos deles ainda subutilizados – e o fato de a maioria da população, ou seja, o mercado consumidor, viver próximo às regiões litorâneas.
Além disso, um navio pode carregar uma grande quantidade de cargas, do mesmo modo, também, que uma composição ferroviária, permitido movimentar um grande volume de produtos acondicionados em contêineres.
Consome pouco combustível, o que lhe confere maior eficiência energética – inclusive, em termos de capacidade de movimentação de mercadorias por unidade de combustível consumido – e apresenta ainda pequeno potencial de agressão à natureza, sendo pouco poluente e com bem pequenas possibilidades de acidentes.
“Por causa dos óbvios benefícios oferecidos, a conversão do transporte rodoviário para a cabotagem está sendo cada vez mais comum particularmente nas empresas com departamento de logística mais maduro”.
Ricardo Carui, diretor de produto marítimo da DHL Global Forwarding.
Mas a cabotagem também tem lá suas desvantagens. Talvez a maior delas seja a lenta velocidade de deslocamento, intrínseca ao transporte marítimo: ela inviabiliza a entrega de bens dentro de prazos muito curtos.
As rotas também são necessariamente limitadas aos portos disponíveis, mesmo que eles sejam em número considerável, como no caso do Brasil. Há espalhados pelo extenso litoral brasileiro nada menos do que 37 portos públicos, mas dos quais apenas uma dúzia pode ser considerada de médio e grande porte. E no Brasil há ainda o problema da deficiente integração dos portos com os modais rodoviário, ferroviário, aéreo e dutoviário, do qual nenhuma região está isenta.
Se os navios consomem relativamente poucos combustíveis, os preços deles também não deixam de ser elevados. Pois não há para a navegação benefícios fiscais, tipo isenção de impostos, como acontece com o óleo diesel para caminhões.
Outra desvantagem é que, embora a movimentação ocorra entre portos nacionais, sendo, portanto, uma operação eminentemente doméstica, os órgãos responsáveis por sua fiscalização – como a Anvisa e a Polícia Federal – classificam a atividade como sendo de comércio exterior, do que decorrem as inevitáveis burocracias em sua inspeção e regulamentação.
Já a paradoxal restrição ao capital estrangeiro dificulta o aporte de mais investimentos. A legislação brasileira exige que a atividade seja realizada por navios com bandeira nacional, fator que restringe a entrada de capitais externos no setor.
De qualquer modo, é fácil observar que a maioria destas desvantagens é de natureza conjuntural, e podem ser eliminadas ao longo do tempo, com políticas nesta direção. As vantagens são muito mais expressivas, e não apenas para o setor de transportes. O uso intensivo da cabotagem diminuiria consideravelmente a frota de caminhões nas estradas, com a consequente redução de gastos com diesel e manutenção, e diminuiria muito o número de acidentes e mortes. Não é pouca coisa. (Alberto Mawakdiye)
FONTE: IPESI