Pesquisadores da Ufscar estudam o uso de nanopartículas para atacar células cancerígenas
Um dos mais antigos objetivos da ciência devotada à área da saúde – combater as células cancerígenas, mas sem atacar as células saudáveis – pode estar próximo de ser alcançado. Um estudo conduzido pelo Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), cidade localizada no interior do estado de São Paulo, chegou a resultados promissores nesse sentido, não só no combate ao câncer, mas também contra bactérias.
O CDMF é um dos Cepids – os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) -, permitindo, assim, que a pesquisa esteja sendo conduzida pela Ufscar em parceria com instituições de outras universidades do Brasil, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), e do exterior, como as universidades Jaime I, da Espanha, e Liberec, da República Tcheca. Algo necessário devido à abrangência científica do estudo. De fato, ele envolve áreas tão distintas e específicas como medicina, biologia, microeletrônica, química e física, dentre outras.
A pesquisa, de qualquer forma, não partiu do nada. Alguns estudos internacionais e brasileiros já indicavam que os semicondutores formados por nanopartículas de prata – formando então o tungstato de prata – podem atuar como verdadeiros bactericidas, sendo que neste processo o tungstênio atrai os agentes bacterianos e a prata os neutraliza.
Para isso, no entanto, faz-se necessário “crescer” a prata. O que vinha sendo a principal dificuldade nesta operação, já que a capacidade de crescer a prata e controlar sua estrutura molecular exigia o emprego de microscopia eletrônica de transmissão, processamento difícil de ser realizado e também de altíssimo custo.
De modo a driblar essa barreira, os pesquisadores do CDMF decidiram enveredar por outro caminho, até então jamais utilizado em uma reação deste tipo: o de usar fótons (luz), por meio de laser, para o crescimento da prata em femtosegundos, ou seja, em quadrilionésimos de segundo. Esse caminho se mostrou extremamente alvissareiro.
“As matérias sempre estão em constante movimento, porém, em femtosegundos, elas estão paralisadas. Então, observamos que, por meio de irradiação de elétrons, cresceram clusters de prata metálica, isto é, ilhas de prata com tamanho menor que um nanômetro”, explica Elson Longo (foto), coordenador do CDMF e um dos autores do artigo que trata do novo composto e seu efeito bactericida, intitulado “Towards the scale-up of the formation of nanoparticles on a-Ag2WO4 with bactericidal properties by femtosecond laser irradiation”, publicado na revista Scientific Reports, da Nature, em 30 de janeiro de 2018. O artigo completo pode ser acessado no endereço https://go.nature.com/2HxUrGW.
NUVEM ELETRÔNICA – Na verdade, o que os pesquisadores constataram é que quando o material sofre uma influência de laser mais alta, um grande número de elétrons é retirado da superfície do material, formando, assim, uma nuvem eletrônica. Este efeito faz com que os íons restantes deixem a superfície por atração eletromagnética ou por colisões inelásticas. A nuvem formada por elétrons, íons e algumas outras espécies constitui um plasma conhecido como pluma de plasma, cuja vida útil é da ordem de nanosegundos. Após a pluma de plasma se extinguir, o excesso de energia é liberado para o meio e para a superfície da amostra.
Um dos objetivos dos pesquisadores foi o de aumentar a produção da montagem debaixo de condições não especiais e, ao mesmo tempo, fazer com que a metodologia forneça versatilidade suficiente para ser estendida a uma ampla gama de materiais. Assim, a irradiação ultracurta do laser sobre a amostra no ar pode ser uma alternativa, pois seria facilmente integrada em um processo de produção.
Com o sucesso deste tipo de processamento, os pesquisadores partiram para outro objetivo: avaliar a capacidade bactericida deste composto. Testes realizados por especialistas da área de biologia indicaram que o novo composto possui ação bactericida 32 vezes maior quando comparado ao tungstato de prata em condições normais. Além do que, outros testes demonstraram que o composto obtido, mais do que o efeito bactericida, mata células cancerígenas da bexiga, por exemplo, sem atacar as células boas. O próximo passo será o de avaliar o efeito do composto contra o câncer em outros órgãos.
A pesquisa já está obtendo repercussão internacional. Afora a publicação do artigo na Nature, o diretor do CDMF, Elson Longo, e o professor espanhol Juan Andrés, da Universidade Jaume I, de Castellón de La Plana, participaram da “5ª. International Conference on Antimicrobial Research”, realizada nos últimos dias 24 e 25 de maio em Torremolinos, Málaga, Espanha. Lá, eles apresentaram, especificamente, os trabalhos que têm como objetivo o estudo da atividade antimicrobiana de diferentes materiais associados à prata contra fungos e bactérias. (Alberto Mawakdiye)