Um robô nos observa
Para o engenheiro civil e professor Ronaldo Cavalheri (foto), é impossível saber quais serão as profissões mais requisitadas daqui a alguns anos, já que, devido ao rapidíssimo avanço da tecnologia, muitas delas certamente ainda nem existem, enquanto outras serão varridas do mapa. Mas ele acha possível arriscar qual o perfil dos profissionais que terão maior chance de serem aproveitados no futuro.
“Na era digital, os profissionais que quiserem se colocar vão ter de apresentar algumas características, como criatividade, capacidade de aprendizado e adaptação, boa visão do contexto, facilidade para se relacionar”, diz. “Pois todo trabalho que envolva atividades repetitivas e com uma lógica previsível, que não precise de socialização e intervenção criativa, que não resolva nenhum tipo de problema complexo e que ainda coloque em risco a vida, passará a ser executado por uma máquina. Ou mesmo por um robô”.
De fato, já se ensaia nos países mais desenvolvidos a disseminação de carros que se dirigem sozinhos – para a alegria dos donos de frotas de táxis -, serviços de entregas feitos por robôs, softwares “cuidadores” de idosos e “serpentes” cirurgiãs. Também se encontra em fase de testes um robô que serve como guarda de segurança, patrulhando o local de trabalho, monitorando as salas através de equipamentos 3D e relatando anomalias.
E a coisa não deve parar por aí. Segundo uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), algo em torno de 57% das vagas de emprego são hoje suscetíveis à robotização e automação.
Assim, algumas funções, como dentista, que dependem de capacidade de diagnóstico avançada, são menos suscetíveis de substituição por uma máquina. Também são seguras profissões como treinadores esportivos, atores, trabalhadores da área social e bombeiros. Mas datilógrafos, agentes imobiliários e vendedores e várias categorias de trabalhadores manuais estão entre as ocupações consideradas com alta probabilidade de automatização no futuro.
Além de engenheiro e professor, Ronaldo Cavalheri também é articulista. Dirige ainda o Centro Europeu, do Paraná, a primeira escola de economia criativa do Brasil, e o Business Development Manager, do Microsoft Innovation Center Curitiba. Está, portanto, bastante enfronhado neste tema que tende a se tornar, em breve, um dos mais importantes no debate sobre o mercado de trabalho.
A seguir, trechos da entrevista.
Um robô no nosso lugar.
Vamos mesmo acabar sendo substituídos por robôs no mercado de trabalho? Essa é uma pergunta que muitos profissionais hoje se fazem. E ela é tão pertinente que todos deveriam começar a fazê-la. Estamos vivendo uma verdadeira mudança de era, passando por uma revolução de ampla magnitude e muitíssimo acelerada, na qual as tecnologias de ponta convivem quase sempre com um alto grau de automação. Basta pensar na computação em nuvem, na IoT, no Big Data, na robótica, na inteligência artificial, na impressão em 3D, na nanotecnologia.
Já são todas elas tecnologias comuns no nosso dia a dia. De certa forma, todas são filhas da era digital, que fez com que a informação e a conectividade se tornassem as grandes impulsionadoras da produção e do consumo. É óbvio que a era digital vem impactando e muito o mercado de trabalho.
Não poderia ser diferente. O mundo do trabalho sempre foi afetado pelas grandes transformações econômicas e tecnológicas do planeta. Só que agora está muito difícil imaginar o que acontecerá no futuro, o que não ocorreu com a revolução rural, mais controlável e previsível, nem com a era industrial, na qual as máquinas entraram em cena com a sua produção abundante, mas cujos desdobramentos também eram mais ou menos previsíveis. Apenas uma coisa é certa, nos próximos anos teremos muitas e rápidas mudanças.
Empregos “robotizáveis”.
Segundo uma pesquisa da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, algo em torno de 57% das vagas de emprego são hoje suscetíveis à robotização e automação. Ou seja, mais da metade das funções hoje exercidas pelo homem pode ser substituída por máquinas. Outra previsão bastante curiosa é a do Fórum Econômico Mundial. A entidade afirma que 65% das crianças de hoje deverão trabalhar em empregos que ainda não existem. Crianças em idade escolar sendo preparadas para algo que ainda não sabemos o que será – se a gente pensar bem, isso é muito estranho.
Mas o fato é que temos um futuro cheio de incógnitas em relação ao que irá acontecer com o mercado de trabalho. Quais serão as profissões do futuro? O ser humano nele ainda terá espaço? Como os profissionais devem se preparar para tudo isso? O pior é que não é sensato arriscar quais serão as profissões mais requisitadas. Muitas delas certamente ainda nem existem. Outras serão simplesmente varridas.
Perfil criativo
Mas é possível arriscar qual o perfil dos profissionais que serão aproveitados com maior probabilidade no futuro. Nesse caso, a resposta é muito simples. Todo trabalho que envolva atividades repetitivas e com uma lógica previsível, que não precise de socialização e intervenção criativa, que não resolva nenhum tipo de problema complexo e que ainda coloque em risco a vida, passará a ser executado por uma máquina. É fácil deduzir que na era digital os profissionais com lugar mais ou menos garantido serão aqueles nos quais algumas características inerentes ao ser humano estão mais desenvolvidas, como criatividade, capacidade de aprendizado e adaptação, boa visão do contexto, facilidade para se relacionar.
Essas “soft skills” deverão ser as competências e habilidades mais desejadas para os profissionais do século 21. Mais relevante do que uma coleção de diplomas e certificados técnicos, as características comportamentais e sociais são o que manterão o espaço das pessoas no mercado, para que elas se combinem com toda a tecnologia disponível. Trata-se de um cenário muito mais “inteligente” do que o atual. O que for desafiador e prazeroso o homem fará. O que não for, será direcionado para um robô.
Treinamento necessário
Como desenvolver as “soft skills”? Partindo-se do pressuposto de que algumas pessoas têm essas habilidades natas, mas outras não, e precisarão correr atrás. É perfeitamente possível desenvolver tais características, mas para isso é preciso treino. Muitos profissionais, erroneamente, só enxergam o ensino tradicional como um ambiente de capacitação. Mas se falamos de comportamento, logo temos de ter em mente que o contato com outras pessoas é o mais importante, pois é nesse contato que podemos exercer essas competências.
É preciso, antes de tudo, viver experiências diferentes. Em um trabalho voluntário, por exemplo, é possível desenvolver habilidades como relacionamentos interpessoais e o espírito colaborativo. Já em um “hackathon”, como são chamadas as iniciativas que estimulam a inovação, os participantes podem colocar à prova o seu potencial para resolver problemas complexos e desenvolver a sua visão empreendedora. Em um curso de fotografia, é possível desenvolver um pensamento crítico e estimular o olhar criativo.
E assim por diante. Até mesmo em um curso de formação de chef de cozinha pode-se viver experiências que ajudam a desenvolver características de liderança e de trabalho em equipe. Independentemente da área de atuação, é preciso se colocar em situações desafiadoras, que auxiliem no desenvolvimento da criatividade e interação.
O tempo voa
O avanço da tecnologia é inevitável, e a robotização em massa será uma realidade provavelmente muito em breve. As pessoas devem assumir o que de melhor têm em sua natureza. Somos dotados de uma grande capacidade de criar e de se reinventar. Claro, é bem possível, até bem provável, que nem todos consigam acompanhar o tipo de evolução profissional desejável. Essa mudança deverá ter ganhadores e perdedores, infelizmente. Mas quanto mais gente enxergar as novas necessidades, menos perdedores haverá. Não devemos temer as máquinas, e sim usá-las a nosso favor. A vida é feita de escolhas, e acho que é possível escolhermos não ser substituídos por um robô. (texto: Alberto Mawakdiye/foto: divulgação)