Metal Mecânica

Não mais produzido comercialmente, o ferro forjado desempenhou papel fundamental

Praticamente substituído pelo aço em quase toda parte, pelas várias versões possíveis deste insumo, há cerca de 50 anos que o ferro forjado, um dos irmãos mais velhos do aço, não é mais produzido comercialmente.

 

As últimas usinas siderúrgicas dedicadas a fabricar o produto foram fechando ao longo do século 20, tendo a produção em escala comercial sido encerrada definitivamente na década de 1970.

 

O que não quer dizer, obviamente, que o ferro forjado não seja mais fabricado em pequena escala. Pelo contrário.

 

Pequenas oficinas, quase sempre pertencentes a artesãos altamente qualificados, ainda continuam a produzir o material, especialmente para uso histórico, arquitetônico e decorativo.

 

Afinal, são ainda bem numerosas as encomendas de ferro forjado para trabalhos de replicação, restauração e conservação de ferragens de valor histórico, algumas datadas do século 18 e mesmo de muitos séculos antes, e para a fabricação de artigos de luxo.

 

A explicação da troca, pelo mercado, do ferro forjado pelo aço, é óbvia. O aço é muito mais barato e fácil de produzir em larga escala, e também incomparavelmente mais versátil, prestando-se a todo tipo de aplicação.

 

O que não acontece com o ferro forjado. Embora, antes do desenvolvimento da moderna produção de aço, tenha sido a forma mais comumente usada de ferro maleável – por não ser tão frágil como o ferro fundido -,trata-se de um material difícil de fabricarem grande escala e de utilização limitada a alguns segmentos.

 

Foi muito usado, por exemplo, para construir estruturase peças de engenharia, ferrovias e até navios de guerra, assim como de elementos arquitetônicos como portões, gradis e corrimões, e objetos como castiçais – itens, muitos deles, de extraordinária beleza e desenvoltura tecnológica.

 

Mas seu emprego para a produção dos práticos elevadores, por exemplo, ou de automóveis e eletrodomésticos, jamais chegou a ser seriamente cogitado na nossa era contemporânea, que começou a partir do final do século 19.

 

ANTIGUIDADE CLÁSSICA – De qualquer forma, no seu auge, no decorrer do século 19, o ferro forjado foi usado na fabricação de quase tudo, em todo o mundo, mesmo no então atrasado Brasil. O material tinha apelo irresistível. O menor teor de carbono o tornava resistente, maleável, dúctil, resistente à corrosão e fácil de soldar.

 

Mas a história do ferro forjado começou muito antes, na Antiguidade Clássica. Exemplos de ferragens antigas similares ao ferro forjado remontam ao antigo Egito e à Mesopotâmia, acerca de 3.500 a.C.

 

Por volta do século 8 a.C., outras civilizações, como a dos hititas e a dos gregos micênicos, começaram a equipar seus exércitos com espadas de ferro.

 

O conhecimento sobre o uso do ferro chegaria à Europa ocidental e central por volta de 600 a.C. No século 5 a.C., as espadas de ferro haviam substituído as de bronze por toda a Europa, graças, principalmente, à vasta disponibilidade da matéria-prima no continente europeu.

 

De acordo com os historiadores e arqueólogos, até a Idade Média o ferro forjado foi empregado principalmente para armas e ferramentas.

 

Mas tudo mudaria na Idade Média. Devagar e sempre, o período medieval traria consigo uma infinidade de novos usos para o ferro forjado.

 

Primeiro, ele começou a ser usado para cobrir portas e janelas de edifícios para proteger contra os ataques de invasores.

 

Pouco depois, as ferragens feitas começariam a aparecer para fins decorativos. Algumas dessas obras em ferro forjado podem ser vistas até hoje em edificações históricas, como as catedrais de Canterbury e Manchester, na Inglaterra, e a de Notre Dame, em Paris.

 

No século 16, a potencial magnificência do ferro forjado apareceu com toda a força nas elaboradas catedrais da Espanha e em milhares de varandas, pátios e portões dos palácios e mansões da França.

 

E a coisa foi avançando. O boom da indústria siderúrgica no século 18 levou a belos corrimões e portões por toda a Londres e acabou chegando aos Estados Unidos, nos projetos inspirados na cultura francesa de Nova Orleans.

 

A demanda pela matéria-prima de ferro forjado atingiu seu auge na década de 1860, com o aumento da popularidade dos navios de guerra e a produção de ferrovias nos Estados Unidos.

 

Na Europa, a famosa Torre Eiffel de Paris foi erguida quase inteiramente à base de ferro forjado, no final da década de 1880.

 

E como o ferro forjado se tornou mais comum, ele também se tornou amplamente empregado em utensílios banais de cozinha, fogões, grades, fechaduras, ferragens e outros artigos domésticos.

 

No Brasil, o ferro forjado também ganhou importância, pois era possível importar o material por causa de seu barateamento.

 

Em Salvador, na Bahia, por exemplo, no começo do século 20, houve uma grande concentração de artistas que trabalhavam com o ferro forjado.

 

Arquitetos e artistas plásticos produziram gradis de ferro com grande diversidade de formas, utilizando conceitos do passado e novas técnicas, se adaptando à segurança e à beleza do material e muitas vezes com influência do art nouveau e das necessidades da cidade moderna.

 

A diversidade de belezas naturais e culturais de Salvador serviu ali de inspiração para a arte do ferro, onde artistas utilizavam desenhos orgânicos e geométricos de variadas formas. Muitos artistas propunham módulos sem repetição, em sequência, só delimitados pelas possibilidades tecnológicas.

 

AÇO CARBONO – Um dos primeiros métodos de produção de ferro forjado foi com o uso dos hoje assim chamados “bloomeries”.

 

Um bloomery é uma espécie de forno com um poço e chaminé, e paredes de pedra ou argila para resistência ao calor. Tubos de barro entravam perto do fundo do poço para permitir o fluxo de ar, seja de fonte natural ou através do uso de um tipo de bomba de ar semelhante a um fole. Uma vez que um bloomery era preenchido com carvão e minério de ferro, ele era aceso e o ar forçado através dos canos, alimentando o fogo e aquecendo a mistura até um ponto abaixo do ponto de fusão do ferro.

 

Isso fazia as impurezas derreterem e escoarem, enquanto o monóxido de carbono do carvão reduzia o minério de ferro em uma massa semelhante à esponja. Este material era então forjado com martelos, que também removiam as impurezas no processo.

 

Inovações como a introdução de energia hidráulica e do alto-forno avançaram o processo ao longo dos séculos, mas foi o forno de lama, introduzido em 1784, que levou o uso de ferro forjado ao seu auge.

No entanto, a popularidade e o uso da matéria-prima em ferro forjado diminuíram com a crescente disponibilidade do aço carbono, empurrando o insumo cada vez mais para o nicho das artes e do artesanato, e tornando-o um material mais de ferreiros e serralheiros do que da indústria.

 

E diferentemente do ferro fundido, que depois da Revolução Industrial teve a sua produção multiplicada em larga escala, e do próprio aço, que acabaria de prevalecer neste segmento, o ferro forjado não se adaptou tão bem a essetipo de produção, continuando a ser majoritariamente uma arte transmitida de mestre a aprendiz, ou seja, um ofício de feições medievais.

 

Para complicar ainda mais a situação, surgiria ainda um concorrente com características muito próximas às suas, o chamado aço doce. Trata-se de um aço com baixo teor de carbono e sem elementos de liga, indo até 0,3% de carbono em sua composição.

 

O aço doce não possui dureza muito elevada, e pode ser obtido a partir simplesmente da refusão do ferro gusa, apenas adicionando oxigênio em sua base, fazendo ocorrer a liberação de CO2 e removendo o carbono do aço.

 

Ou seja, o aço doce contém muitas das propriedades do ferro forjado e é muito mais barato e fácil de produzir que o ferro forjado.

 

Vários produtos hoje descritos como ferro forjado são feitos deste aço macio. Elementos como grades, portões, móveis, iluminação e outros trabalhos ornamentais são produzidos com aço doce, e não mais com ferro forjado, embora muitas vezes apresentados como tal.

 

De qualquer forma, a arte de manipular o ferro bruto à mão com martelo e bigorna continua a ser uma arte praticada no exclusivo nicho da restauração e na crescente demanda por acessórios e móveis de grande qualidade.

 

Ou seja, a beleza e os detalhes desse trabalho milenar ainda podem ser apreciados em novos produtos dele derivados, embora não com a mesma facilidade dos séculos passados. Hoje, é preciso procurar.       (Alberto Mawakdiye)

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