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Novo presidente argentino dificilmente irá cumprir a promessa de esfriar as relações comerciais com o Brasil e a China

O novo presidente da Argentina, o polêmico e histriônico Javier Milei, que toma posse nesse domingo (10), já está dando todos os sinais de que as suas duas principais promessas de campanha na área internacional – o esfriamento ou mesmo a ruptura de relações comerciais com o Brasil e a China -, podem ter sido apenas isto, meras promessas de campanha, para adoçar a boca do seu eleitorado mais à direita que vê esses dois países como uma espécie de arautos do comunismo.

 

De fato, depois de passar toda a campanha acusando o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva de corrupto e comunista, Milei mandou representantes convidarem Lula para a sua posse (Lula não aceitou o convite).

 

Milei também não parece nem um pouco inclinado a repetir as diatribes antichinesas que ecoaram durante a campanha, depois do governo chinês tê-lo advertido que o corte de laços seria um “erro grave” e dando a entender que quem sairia perdendo seria a Argentina – o que é de uma obviedade gritante. A Argentina, claramente, precisa muito mais da China do que o contrário.

 

É certo que vozes devem ter soprado nos ouvidos de Milei dizendo que sua política internacional não poderá começar com a destruição de parcerias que, na prática, vem sustentando a hoje combalida economia argentina. Essas vozes, seguramente, vieram dos meios políticos liberais, do agronegócio, da indústria e dos sindicatos.

 

Ou seja, de círculos econômicos e sociais importantes da Argentina, pouco dispostos a rasgar dinheiro por mero capricho ideológico de Milei.

 

PARCERIA BRAZUCA – O prejuízo do corte de relações comerciais da Argentina com o Brasil seria enorme para ambos os lados. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) do Brasil mostram que a Argentina é, há anos, o terceiro maior parceiro comercial brasileiro, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Já o Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina, vindo os chineses logo atrás.

 

Parceiros faz décadas no Mercosul, brasileiros e argentinos negociam muito entre si. Em 2022, por exemplo, o Brasil exportou US$ 15,3 bilhões em produtos ao país vizinho – o equivalente a 4,5% de todas as exportações brasileiras. No mesmo ano, o Brasil importou US$ 13,09 bilhões.

 

Se Milei ao menos se apoiasse em fatos, poderia se queixar que a balança comercial entre os dois países vem, realmente, pendendo cada vez mais para o lado do Brasil. O intercâmbio gerou em 2022 um saldo positivo para a balança comercial brasileira de US$ 2,21 bilhões. E esse saldo é crescente. Saiu de um déficit de US$ 498 milhões nos 12 meses acumulados até outubro de 2019, para um superávit de US$ 4,7 bilhões em outubro passado.

 

E uma análise das exportações brasileiras para a Argentina mostra que elas mais que dobraram em quatro anos, saindo de US$ 8,4 bilhões para US$ 17 bilhões. O que salva a Argentina no comércio com o Brasil são as exportações de automóveis, que lhe permitiram um saldo de US$ 2,7 bilhões nos 12 meses até outubro de 2023.

 

Em contrapartida, neste mesmo período, a Argentina respondeu por 39,5% das exportações brasileiras de carros, sinal claro da interdependência.

 

Os maiores crescimentos nas exportações brasileiras vêm se dando no setor de cereais e no de fabricação de ferro e aço básicos. Em termos absolutos, no entanto, também houve uma expansão de quase 50% nas exportações argentinas para o Brasil. Os maiores crescimentos foram na exportação de automóveis, petróleo bruto e produtos lácteos.

 

DEPENDÊNCIA CHINESA – Já a ruptura comercial com os chineses seria pouco menos do que catastrófica para a Argentina. Os laços entre Argentina e China se estreitaram tanto nos últimos anos, a ponto de o país vizinho ter desbancado o Brasil como o principal destino de investimentos chineses na América Latina em 2022.

 

O montante destinado por Pequim à Argentina somou no ano passado US$ 1,34 bilhão, contra US$ 1,30 bilhão recebido pelos brasileiros. O Brasil quase sempre recebeu a metade dos investimentos chineses na América Latina.

 

Este é o claro reflexo de a China ter se tornado o segundo principal parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil, quando, uns 30 anos atrás, em 1992, por exemplo, era somente o 14º. As razões para a aproximação entre os dois países são muitas, algumas das quais também explicam o interesse chinês pelo Brasil.

 

De um lado, a Argentina, assim como o Brasil, é um país que exporta principalmente commodities – ambos são potências tanto na agricultura, com carne, trigo, milho e soja, quanto em recursos minerais, com petróleo, gás e lítio. De outro, a China, com uma população de mais de 1,4 bilhão de pessoas, precisa dessas matérias-primas para se alimentar, se desenvolver e crescer.

 

A histórica escassez de dólares do país vizinho, sobretudo pelas altas dívidas externas contraídas ao longo de suas diversas crises, também ajuda a explicar o que, na prática, já se tornou para a Argentina uma espécie de sino-dependência. A Argentina hoje não tem muitas opções que não envolvam a China, já que o país tornou-se financeiramente suspeito para norte-americanos e europeus e suas entidades comerciais e financeiras.

 

O único país com envergadura para costurar algum tipo de parceria mais confortável com a Argentina é a China. E esta parceria está se aprofundando e se diversificando até no que diz respeito à moeda usada no intercâmbio.

 

De fato, no último mês de junho, a Argentina fechou um acordo com o Banco do Povo da China, o BC chinês, para ampliar o swap cambial, que no total chega a US$ 19 bilhões e que permitiu ao país, tendo acesso a menos de um terço desses recursos, junto com um desembolso do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), pagar em yuans parte da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

 

Como pano de fundo, também há a questão geopolítica. A China vem aumentando sua influência sobre a América Latina, uma região que por muito tempo foi considerada o “quintal” de seu principal arquirrival no xadrez geopolítico internacional, os Estados Unidos.

 

A China tem uma visão de longo prazo sobre seus investimentos e, neste sentido, problemas ou contratempos na economia argentina parecem se constituir num obstáculo menor do que para os rivais ocidentais.

 

E há ainda o fator, nada desprezível, de a economia americana, que poderia ser uma opção dos argentinos para negociar com o exterior, hoje competir com a economia argentina – os EUA também produzem carne e soja, por exemplo. O Brasil também sente esse problema, aliás, e neste sentido também é dependente da China. Ou seja, há mais complementaridade das economias argentina e brasileira com a chinesa que com a norte-americana.

 

De qualquer forma, um segmento da economia brasileira ficaria radiante com um eventual “chega pra lá” da Argentina contra o Brasil e a China: o agronegócio, cada vez mais estratégico para a economia brasileira e cuja participação no comércio mundial está em expansão faz várias décadas.

 

O Brasil teria um concorrente a menos no mercado chinês e certamente aumentaria a participação nas exportações para lá de suas commodities.

 

A China fica com 77% do volume de carne bovina vendida pela Argentina e é responsável por 59% das receitas obtidas pelo país vizinho com essa proteína. Antes de a China ter maior presença no mercado de carne bovina do país vizinho, as exportações argentinas mensais somavam, em média, 20 mil toneladas. Com as importações chinesas, a média atual é de 79 mil t por mês.

 

O mercado chinês é muito importante também para a soja. No ano passado, os argentinos exportaram 5,51 milhões de t da oleaginosa, sendo que 89% para a China. Porém, a dependência argentina do mercado chinês de soja em grão é menor do que a do Brasil, uma vez que as exportações de óleo e de farelo têm maior importância para o país vizinho.

 

No ano passado, as exportações de cereais renderam US$ 15,5 bilhões; as de farelo de soja e de outros produtos para a alimentação animal, US$ 13,2 bilhões; as de óleos de soja e gorduras, US$ 9,2 bilhões, e as de carnes, US$ 4,1 bilhões. Os produtores  argentinos não devem estar nada felizes com a ideia de todas essas riquezas caírem no colo dos brasileiros. (Alberto Mawakdiye)

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