Aspectos das ações de despejo e da rescisão dos contratos de locação em tempos de pandemia
Luis Henrique Favret (*)
As graves consequências da pandemia mundial em decorrência da Covid-19 (“coronavírus”) e o consequente estado de calamidade pública, para além da quarentena generalizada no nosso país, trazem cenário especialmente preocupante para as relações locatícias. Na atual conjuntura, há risco de efetivo decréscimo de renda tanto do locatário, que face das restrições determinadas pelo regime de quarentena pode ter sua renda reduzida, ficando impossibilitado do pagamento do aluguel mensal, e também o locador, que consequentemente sofrerá com o inadimplemento dos contratos de locação.
São reações em cadeia, que podem trazer consequências nunca antes imaginadas. Por isso, sérias dúvidas existem no sentido de que o equilíbrio dessas relações locatícias podem ser dosadas exclusivamente com as soluções encartadas na Lei 8.245/91 (lei de locações) que regula a matéria.
Naturalmente nada impede a renegociação de contrato, aliás, prevista no artigo 18 da mencionada Lei 8.245/91, na previsão de que as partes, de comum acordo, podem renegociar novo valor de aluguel, bem como inserir ou modificar a cláusula de reajuste de valor. Possível também que diante da excepcionalidade da situação, as partes ajustem minoração ou desconto dos valores do aluguel por prazo determinado.
Na prática, a falta do ajuste entre as partes na redução do aluguel suscitará a intervenção do judiciário. Recentíssimas decisões têm corroborado o entendimento de que é possível a redução do aluguel. Por exemplo, em decisão bastante noticiada, a 8ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, aceitou parcialmente pedido de redução de 70% do valor do aluguel de um estabelecimento comercial, considerando a data em que a empresa passou a trabalhar a portas fechadas, por conta das medidas de isolamento social, até a reabertura do comércio, estendendo-se reflexos para após a retomada das atividades, com a redução no valor do aluguel em 30% até 30 de dezembro.
Mas não se trata de situação aplicável a todo contrato de locação. A efetiva possibilidade de redução do aluguel dependerá do volume probatório e do que efetivamente for comprovável em termos de queda do faturamento em decorrência da suspensão parcial das atividades durante a pandemia. E, no dissenso entre as partes, é sempre importante considerar que também o locador tem a possibilidade de sustentar medidas judiciais, especialmente diante do inadimplemento integral.
A Lei 8.245/91 regula as ações de despejo, e a falta de pagamento dos aluguéis e encargos da locação é causa suficiente para a rescisão do contrato e despejo do locatário, como se infere do artigo 9ª, artigo 59, parágrafo 1º, e artigo 62 da mencionada lei. O despejo como regra, objetiva a determinação judicial para a desocupação do imóvel locado, com inadimplemento locatício, somente evitável pela purgação da mora.
Nos contrato locativos desprovidos de quaisquer das modalidades de garantia, possibilita o artigo 59, parágrafo 1º, inciso IX da Lei 8.245/91, a concessão de medida liminar visando a imediata imissão do locador na posse do imóvel, entendimento que tem sido imperativo, desde que presentes os requisitos determinados pela lei (qual seja, a inexistência de garantias locatícias).
Interessa anotar que a medida liminar aqui tratada constitui tutela de evidência, representada por direito líquido e certo do locador de obter a devolução do imóvel, desde que prestada caução equivalente a três meses de aluguel.
Mesmo no caso de contrato amparado por qualquer das modalidades de garantia, hipótese em que não haveria a possibilidade da concessão da tutela de evidência, a lei processual prevê a possibilidade de concessão da tutela de urgência, apesar das limitações impostas pelo artigo 59, parágrafo 1º, inciso IX da Lei 8.245/91, é possível, sim, a decretação antecipada do despejo do locatário inadimplente, à guisa de tutela de urgência, regulamentada pelo artigo 300 do Código de Processo Civil, desde que preenchidos os requisitos legais para o deferimento dessa medida.
Vale dizer, a medida liminar de despejo pode ser concedida também em sede de tutela de urgência, sempre que houver demonstração de risco de dano ao locador, como aliás, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1207161/AL, entendendo que o rol previsto no art. 59, § 1º, da Lei n.º 8.245/94, não é taxativo, podendo existir a concessão da antecipação de tutela em ação de despejo, desde que preenchidos os requisitos para a medida.
Em termos de requisitos, é interessante denotar que a urgência da medida antecipatória de tutela para o locador é compreensível, porque a cada mês que se passa com a parte locatária no imóvel e sem pagar os aluguéis, aumenta-se o débito, além de impossibilitar nova locação.
Como se vê, mesmo os efeitos da grave pandemia do Covid-19 não permitem a situação de inadimplemento absoluto nos contratos de aluguel. Ainda que exista a possibilidade das decisões concessivas da tutela de urgência ao locatário para a suspensão dos efeitos da mora, a impossibilidade de manutenção do contrato de locação não pode ser total, licenciamento a paralização total do pagamento do aluguel, porque essa medida importaria em desequilíbrio total da relação locatícia em prejuízo ao locador que, na inadimplência, estaria municiado da possibilidade do ingresso da ação de despejo, com a possibilidade da concessão de medida liminar tanto em sede de tutela de evidência, ou de tutela de urgência, ainda que existente garantia locatícia.
Resta ponderar, que mesmo no caso da possibilidade de concessão da medida liminar, o bom senso recomenda que os julgadores evitem a adoção de medidas de reintegração da posse em geral durante a permanência do estado de isolamento social. Isso não quer significar que mesmo diante da presença dos requisitos legais ao julgador é permitido o indeferimento da medida liminar por conta dos efeitos da Covid-19, mas parece que não há impedimento em se adotar medidas paliativas, com a concessão de prazo maior para a desocupação do imóvel e decretação do despejo liminar, ou mesmo, a apreciação da medida liminar após a formação do contraditório, o que poderá propiciar ao julgador a avaliação da situação das partes e a adoção de solução jurídica que busque o equilíbrio entre o inadimplemento e os efeitos do isolamento social.
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(*) O autor é advogado. Sócio fundador da Oliveira-Favret-Sociedade de Advogados.