Brasil tem potencial para recuperar mais de 800.000 toneladas de metais por ano

Em vigor em 2020, Economia Circular é um tratado internacional publicado em 2015 e obrigatório para todos os países membros da União Europeia. O tratado traz diversas medidas para aumentar a reciclagem, efetuar o tratamento térmico e biológico da fração pós-reciclagem (ou não reciclável) e eliminar por completo a utilização de aterros sanitários, permitindo apenas a disposição de materiais inertes em aterros que não podem ser reciclados, reutilizados ou aproveitados a sua energia.
Segundo Yuri Schmitke A. B. Tisi, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética (Abren), a recuperação energética é parte essencial e importante nessa equação, pois são poucos os resíduos passíveis de serem reciclados. Muitos dos materiais plásticos não são recicláveis e têm elevado poder calorífico que seria desperdiçado caso fosse destinado aos aterros sanitários, que além de causar severos danos ambientais, não contribui em absolutamente nada para a Economia Circular, e por isso não são mais considerados uma solução inserida dentro da Economia Circular.
Certificados “zero landfill” começam a tomar força, ainda mais com a agenda ESG que permeia as atividades empresariais, e produtos brasileiros exportados para a União Europeia passarão a perder valor se não forem devidamente certificados. Uma delas é o certificado da UL denominado zero landfill. A indústria que pretender aderir ao certificado deve reciclar todos seus resíduos que forem economicamente viáveis e tecnicamente possíveis, e destinar o restante para o tratamento térmico ou biológico, a depender da fração que se pretende tratar, sendo possível destinar para aterros apenas materiais inertes e que não trazem risco à saúde pública ou ao meio ambiente.
Schmitke comenta que hoje perde-se muito tempo em atividades periféricas de reaproveitamento e reutilização de resíduos, quando o foco deveria ser em implementar medidas de grande porte para os grandes centros urbanos, como o tratamento térmico por meio das usinas de recuperação energética (waste-to-energy) e o tratamento biológico por meio da biodigestão anaeróbia (apenas fração orgânica). Somente com a adoção de tais tecnologias é que se torna possível atingir plenamente o conceito de Economia Circular, e a participação do setor privado é essencial por meio dos modelos de concessão e project finance.
Segundo estudos da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA, 2015), o custo do atendimento médico à população afetada pela má gestão do lixo é calculado entre 10 e 20 $/T (dólares por tonelada) de resíduo sólido urbano (RSU), equivalente a uma média de 75 R$/t (reais por tonelada). Somente nas 28 regiões metropolitanas do Brasil com mais de 1 milhão de habitantes, seria assim possível economizar cerca de R$ 2,4 bilhões por ano, ou R$ 72 bilhões em 30 anos na saúde pública. Se considerado todo o lixo não tratado e que pode causar dano à saúde pública, que representa aproximadamente 96% das 79 milhões de toneladas geradas por ano no Brasil, o gasto com a saúde pública perfaz a quantia de R$ 5,6 bilhões de reais por ano, ou R$ 160 bilhões em 30 anos.
Os locais onde as usinas de recuperação energética de resíduos (URE) foram implementadas apresentam também as taxas de reciclagem mais elevadas no mundo. No Brasil, elas permitiriam a recuperação de em média 23 kg de metais reciclados para cada tonelada de resíduo tratado. A implantação de usinas nas 28 regiões metropolitanas brasileiras, com mais de 1 milhão de habitantes, teria potencial de recuperar mais de 800.000 toneladas de metais por ano, e que continuariam enterrados e perdidos. Aterros não permitem a recuperação de metais.
Existe enorme potencial de investimento em biodigestão anaeróbia da fração orgânica dos resíduos, com geração de eletricidade a partir da queima do biogás ou utilização de biocombustível a partir do biometano, que constitui cerca de 55% da composição do biogás, e é um gás renovável que pode ser misturado em qualquer fração com o gás natural, podendo abastecer frotas de veículos, ônibus e caminhões.
Outro importante potencial reside no coprocessamento, que consiste na separação e blendagem do Combustível Derivado de Resíduos (CDR), fração não reciclagem e inorgânica do RSU, que hoje já é utilizado em diversas cimenteiras em substituição ao coque (combustível fóssil), para produção de clínquer, utilizado na fabricação do cimento Portland, ou em outros processos industriais e para geração de eletricidade.
O Brasil possui 38 fábricas com licença ambiental para o coprocessamento, mas substitui apenas 16,2% do combustível fóssil por CDR, sendo que Alemanha substitui 62%, Bélgica 58%, Suécia 49%, França 35%, Itália 36% e Portugal 19%. Vale ressaltar, a utilização do CDR, que também pode ser por meio de resíduos industriais (têxtil, pneu etc.), industriais perigosos e biomassa (carvão vegetal, lodo de esgoto e resíduos agrícolas), está dentre as metas de redução de gases de efeito estufa, sendo que a meta do Brasil para 2050 é substituir até 44% por combustíveis alternativos.
Se considerarmos um cenário hipotético que represente 58% de todo o lixo urbano gerado no Brasil (RSU), englobando as 28 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes, somados a 62 municípios com mais de 200 mil habitantes, poderão ser demandados investimentos de R$ 78,3 bilhões (CAPEX), nas 274 usinas URE (94), CDR (95) e Biogás (85), incluindo ainda o aumento de três vezes dos atuais índices de reciclagem.
Nesse cenário apresentado, é considerado o tratamento de 46 milhões de toneladas de RSU por ano, sendo destinado 62% para URE, 21% para CDR, 11% para biogás e 6% para reciclagem, sendo que somente 4% continuará sendo destinado para aterros. Serão gerados 15 mil empregos diretos, e evitados 63 milhões de toneladas de CO2 equivalente, o que corresponde a 192 milhões de árvores plantadas por ano, área similar ao município de São Paulo.
Outros programas também são importantes, como a implementação efetiva da coleta seletiva, programas de educação ambiental, logística reversa e exoneração tributária no beneficiamento e recuperação de materiais. Por meio de estratégias que induzam comportamentos positivos na sociedade, torna-se possível atingir melhores índices de reciclagem, reaproveitamento e reutilização de resíduos, assim como a aceitação de que a recuperação energética da fração não reciclável é parte vital neste processo.
A expectativa é que o Brasil possa efetivamente entender o que significa Economia Circular e aproveitar os seus benefícios, que ocorrem de forma especial na geração de energia limpa por meio da fração não reciclável dos resíduos.