Caminhões de capô alongado devem ganhar espaço novamente

Uma alteração nas regras sobre o comprimento dos caminhões, determinada recentemente pelo Parlamento Europeu, poderá fazer com que os caminhões de capô alongado voltem a ser produzidos em maior escala pelas montadoras na Europa.
Conhecidos pelos caminhoneiros do Brasil como caminhões “bicudos”, ou “focinhudos”, eles deixaram de ser fabricados pela maioria das fabricantes desde meados da década de 2000, devido justamente a mudanças na legislação europeia.
Estas regras, adotadas por razões de segurança e logística, passaram a limitar o comprimento total do veículo. O “encurtamento” dos caminhões foi também determinado em outros países mais ou menos por esta época, inclusive no Brasil.
Desde então, praticamente todos os caminhões fabricados têm cabines frontais – ou, “cara chata” – para maximizar o aproveitamento do compartimento de carga.
A nova resolução permite um aumento do comprimento total dos caminhões em 90 cm. A medida, que foi baseada em estudos atualizados, foi adotada com vista a melhorias aerodinâmicas, redução do consumo de combustível e da emissão de poluentes, e ainda aumentar a segurança do caminhoneiro,
Por conta de seus critérios técnicos, este aumento não poderá ser “jogado” na carroceria ou no espaço entre ela e a cabine – somente na cabine. Ou seja, os fabricantes terão de construir cabines maiores, caso queiram usufruir da nova lei, que agradou sobremaneira legiões de caminhoneiros.
De fato, embora seja hoje a maioria nas rodovias do mundo (com a notável exceção dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, onde os caminhões bicudos são nove entre dez), a versão cara chata não desfruta de estima por parte de muitos motoristas, devido ao menor conforto e à menor sensação de segurança oferecida pela cabine.
Diga-se, no entanto, que os novos caminhões não serão tão “bicudos” como antigamente: afinal, 90 cm não são exatamente um tamanho assim de impressionar. Serão, na verdade, apenas ligeiramente focinhudos.
De qualquer forma, esta pequena protuberância já será responsável, segundo os estudos, por uma redução média no consumo de mais de 5%, com uma redução equivalente na emissão de dióxido de carbono.
Além da questão ambiental, outro ponto que influenciou essa mudança foi a segurança, que em alguns lugares até piorou com a disseminação dos caras chatas. Os caminhões continuam envolvidos em mais de 15% dos acidentes fatais na Europa, mesmo representando apenas 2% do total de veículos circulando. Todos os anos são mais de 4 mil mortos em acidentes envolvendo caminhões no continente.
Os novos veículos poderão começar a ser vendidos a partir do segundo semestre deste ano, mas o desenvolvimento completo de um novo veículo, tão diferente dos atuais, pode exigir mais algum tempo. Mesmo porque a pandemia do coronavírus também levou à paralisia de muitos departamentos de projetos.
POLÊMICA – O predomínio dos caminhões frontais sempre foi, na verdade, considerado um fenômenos algo artificial e, por isto, objeto de polêmica entre os caminhoneiros.
Embora eles sejam fruto da evolução tecnológica – que caminha visivelmente rumo à compactação de tudo que nos cerca – para muitos motoristas os caminhões de cabine frontal chegaram para atender principalmente o interesse das transportadoras.
O argumento é que uma espécie de “pacto” entre as montadoras e as empresas de transporte fez a legislação restritiva trabalhar a favor destas últimas.
O exemplo do Brasil é eloquente. Hoje, a legislação brasileira, consubstanciada na chamada “Lei da Balança”, considera o tamanho das composições incluindo tanto a carroceria como o cavalo mecânico, de 19,8 m na popular categoria bitrem.
Obviamente, as opções caras chatas têm vantagens enormes por serem mais curtas, e assim poderem puxar composições maiores, tornando-se mais econômicas para os transportadores e mais vendáveis para as fabricantes.
O surpreendente seria o contrário ocorrer, a redução da carreta e o aumento da cabine. Para quem carrega, seria economicamente danoso diminuir a capacidade de carga para aumentar a cabine de maneira expressiva. E que levaria as montadoras a continuar produzindo caminhões bicudos, que poucos iriam querer comprar?
Trata-se de um nó que foi amarrado pela legislação, e que o Parlamento Europeu finalmente resolveu afrouxar. É a forma da lei que explica também porque os focinhudos ainda são tão presentes na América do Norte e na Austrália, enquanto quase desapareceram no restante do planeta, pelo menos na área de veículos novos.
Na legislação norte-americana, as dimensões dos caminhões variam quase que por estado. Mas a forma como as dimensões do caminhão são calculadas são para lá de diferentes do Brasil e da Europa – a lei, por assim dizer, é mais pró-caminhoneiros.
Ao contrário do Brasil, que considera o conjunto cavalo mais carreta na hora de medir, nos Estados Unidos essa medição considera apenas a carreta. Essa simples diferença no sistema de medição permite que as cabines sejam bicudas e bem mais espaçosas, já que suas dimensões são livres. Há cabines que são verdadeiros trailers.
Em tese, melhor para o motorista, porque uma cabine bicuda, além de mais espaçosa e confortável, o protegeria como um escudo em caso de colisões, evitando o eventual “efeito kombi” presente nos modelos caras chatas, isto é, ele não teria nada para defendê-lo, se colidisse de frente.
A manutenção dos focinhudos também é mais fácil, já que para ter acesso ao motor basta abrir o capô. Nos primórdios dos caras chatas, este era realmente um problema sério, já quer era preciso desmontar a cabine para tirar o motor. O desenvolvimento das cabines basculantes removeu não só este obstáculo, como até o da segurança em colisões, já que hoje a cabine pode se desprender em batidas graves.
Enfim. Segmento muito menos afeito a mudanças do que o dos carros e vans, o de caminhões está de novo repensando os seus princípios de design e desempenho operacional, com grande possibilidade de que as leis americana e europeia se fundam em boa parte do mundo, para benefício das fabricantes, transportadoras e motoristas. (texto: Alberto Mawakdiye/foto: Divulgação/Mercedes-Benz)