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Contradições do mercado de tecnologia no Brasil

 

 

Rodolfo Fücher (*)

 

 

Brasil, o país do futuro que nunca chega, ou chegou e alguém o escondeu? Como celeiro do mundo, o país tem um imenso potencial para o desenvolvimento de diversos setores. Agora, é preciso focar nas soluções para os desafios existentes e encontrar maneiras de continuar fomentando a inovação e competitividade interna. A atual estabilidade política e econômica assinala um futuro promissor, com previsões de uma Selic consolidada no patamar de 4,5% e a inflação entre 3,5 % a 4,0%, e com o legislativo e executivo focados em resolver o emaranhado fiscal – mas com altíssimo risco de complicar a situação.

 

Quando olhamos especificamente para o setor de tecnologia da informação (TI), combustível essencial para a transformação digital que serve como base para modelos de negócios disruptivos ao gerar inúmeras oportunidades, todos os indicadores são extremamente positivos.

 

De acordo com o último estudo “Mercado Brasileiro de Software e Serviços” da Abes com a IDC, o crescimento do setor de TI no Brasil está acima da média mundial, e totalmente descolado do PIB brasileiro. Em 2018, registramos um crescimento de 9,8% contra a média mundial de 6,7% – em 2019, a expectativa é de um crescimento interno de 10,5% contra 4,9% global. Considerando esses dados, o desenvolvimento do setor em 2020 não deverá ser diferente, chegando perto de 15% e, quem sabe, atingindo a marca de US$ 60 bilhões em faturamento, ultrapassando o Canadá, que atualmente é o 8º maior mercado mundial, uma posição acima do Brasil.

 

 

Outros indicadores que corroboram com uma expectativa positiva para 2020 são os resultados de estudos da EY, Deloitte e McKinsey, que apontam, respectivamente, que 80% dos CEOs veem a inovação tecnológica como forma de manter a empresa competitiva, 74% dos executivos deverão adotar novas tecnologias, e 73% das empresas buscarão novas soluções tecnológicas, como Indústria 4.0.

 

 

Reforçando a importância da tecnologia e inovação para o desenvolvimento do País, um levantamento feito em 2017 pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) apontou que havia 363 incubadoras de negócios inovadores e 57 aceleradoras, com 3.694 empresas incubadas, responsáveis pela criação de 14.457 postos de trabalho. Pouco tempo depois, a Latin American Venture Capital Association (Lavca) informou que cerca de US$ 2 bilhões foram investidos no Brasil em 2019, o que certamente ajudou no surgimento de 11 unicórnios brasileiros e na criação de inúmeras outras startups e empresas brasileiras.

 

Agora, considerando o lado do consumidor, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 70% dos brasileiros (126,9 milhões) usam smartphones e que o país é o quarto em número de usuários de internet – de acordo com o Global Digital Report, o Brasil é o segundo colocado na média de uso da internet, com 9,5 horas por dia por usuário. Desta forma, conseguimos perceber a forte relação entre o desenvolvimento de negócios digitais inovadores, apoiados pela tecnologia, e seu impacto na população, que pode ser exemplificada com a proliferação de plataformas online que visam simplificar processos diários do consumidor, como o NuBank, QuintoAndar, iFood, entre outras.

 

 

Olhando para um futuro não muito distante, dados indicam que o IoT pode gerar um ganho para a economia brasileira na ordem de US$ 200 bilhões até 2025. O estudo da Abes com a IDC aponta para um crescimento nesse mercado acima de 20% ao ano até 2022 e demonstra que em 2018, o IoT gerou cerca de US$ 7 bilhões e deve atingir a marca de US$ 9 bilhões em 2019. Adicionalmente, para a PwC a Inteligência Artificial se tornará a maior oportunidade comercial, podendo contribuir com US$ 15,7 trilhões para o PIB mundial em 2030 – na América Latina o impacto poderá chegar a US$ 500 milhões, representando 5,4% do PIB da região.

 

 

Por outro lado, apesar dos indicadores positivos, existem inúmeros desafios que rotulam o Brasil como um país que não é para amadores, o que, infelizmente, ainda é verdade. De acordo com o Relatório Global de Competitividade, publicado em 2019 pelo Fórum Econômico Mundial, apesar do avanço positivo de uma posição, o Brasil está na 71ª entre 141 países, enquanto o IGI (Índice Global de Inovação) aponta uma queda da 64ª para a 66ª posição entre 129 países. Na América Latina, o Brasil segue atrás do Chile (51º), Costa Rica (55º) e México (56º), por exemplo.

 

 

Ainda assim, há um otimismo generalizado e o governo e a sociedade não estão parados. Existem diversas ações para reverter o quadro, como a aprovação da MP (Medida Provisória) de Liberdade Econômica; o Marco Legal de Startups; Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil; o Programa Nacional de Incubadoras e Parques Tecnológicos, a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), e também diversos fóruns de diálogo com o setor produtivo através das Mesas Executivas Setoriais, Câmara Brasileira da Indústria 4.0, entre outros.

 

 

Entretanto, existem dois pontos extremamente preocupantes que podem limitar o crescimento do setor de TI e impactar o desenvolvimento da economia brasileira: a escassez de mão de obra qualificada e a guerra fiscal entre estado e municípios. A qualificação de mão de obra é um desafio sem solução a curto prazo, porém nota-se claramente uma união do setor privado, da sociedade e do governo na busca pela reversão desse quadro, com o surgimento de diversas iniciativas e ações ligadas a qualificação e, principalmente, fomentando a educação na área de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), como o MeuFuturo.Digital e Movimento Brasil Digital.

 

 

Já a guerra fiscal é um assunto extremamente crítico. Em 2017, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) autorizou os Estados a cobrarem ICMS na comercialização de software, mas não discutiram com os municípios para suspenderem a cobrança de ISS, deixando o setor sob risco de extinção em consequência da bitributação. Agora, o tema entra na pauta do Supremo em 2020, que decidirá o vencedor dessa guerra: o Estado ou o Município. Justamente quando o congresso discute uma ampla reforma tributária, que certamente definirá um novo formato tributário para o setor.

 

 

O esperado é que o setor continue sendo tributado pelo ISS Municipal, como sempre o foi, pois uma decisão favorável ao ICMS criará um passivo gigantesco, onde certamente nenhuma empresa terá condição de arcar com esse passivo, com multa e juros, principalmente porque os municípios não ressarcirão as empresas pelo ISS pagos.

 

Por que não esperar a reforma tributária para resolver esse impasse? Porque é mais fácil complicar do que facilitar. Quem investirá em um setor com alto risco de virar pó?

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(*) O autor é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes).

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