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Contratos de factorings e suas irregularidades

Sérgio de Oliveira (*)

 

Historicamente, as operações de factorings surgiram para atender as necessidades que as empresas tinham para fomentar o seu negócio (fomento mercantil). No Brasil, ao longo dos anos, as factorings vêm se consolidando como uma das principais ferramentas para alavancar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, proporcionando uma capitalização facilitada por meio da compra de créditos de suas vendas a prazo.

Dentre as principais modalidades de factorings, a mais comum praticada no território brasileiro, objeto deste artigo, é a convencional, consistente naquela em que a empresa de factorings adquire direitos creditórios de seus clientes, oriundos das vendas mercantis ou de prestação de serviços. É importante destacar que a operação de factoring distingue-se da operação de mútuo (empréstimo), no qual o devedor se obriga a restituir a quantia mutuada ao mutuante, não se confundindo, portanto, com operação de crédito, mas tratando-se tão simplesmente de compra e venda de direitos creditórios, em que a factoring se torna a credora dos créditos adquiridos.

Em alguns contratos de factorings convencional, envolvendo a compra de direitos créditos, poderão ser conjugados a prestação de serviços consistente na seleção e avaliação de riscos, administração das contas a receber e a pagar, bem como em simples cobrança de créditos. Poderão também ter como objetos, além da modalidade convencional, as modalidades de fomento à produção, consistente na compra de matéria-prima/insumos/estoques, em favor da contratante-faturizada, ou de trustee, que é a prestação de serviços como gestão, co-gestão e consultoria.

Geralmente as operações de fomento mercantil (factorings) são precedidas de um “contrato geral” em que são estipuladas a maioria das condições, obrigações e responsabilidades que vigorarão entre a faturizadora (empresa de factorings) e a faturizada (cliente). Há também o contrato-operacional, que na prática nada mais é do que um aditivo ao contrato geral, sendo o instrumento específico utilizado para documentar cada operação de crédito realizada.

A remuneração da empresa de factorings se dá através da aplicação de um fator de compra (deságio), que nada mais é do que um percentual sobre o valor total de cada operação. Poderá ser também cobrando um valor a título de ad valorem, que também é um percentual cobrando sobre valor face do título, sendo uma remuneração cobrada pelos serviços contratados para fins de análise de crédito dos adquirentes dos produtos da faturizada ou gestão de contas a pagar e a receber.

Conceitualmente, é inegável que a factoring é uma grande aliada das empresas, principalmente as micros, pequenas e médias, especialmente para os serviços de antecipação de recebíveis, podendo ser determinante para a saúde financeira do negócio.

É importante destacar que a empresa factoring não é banco ou instituição financeira, pois não são disciplinadas pela Lei n.º 4.595/64, nem integram o Sistema Financeiro Nacional. Pela Resolução n.º 2.144, o Banco Central esclarece que “qualquer operação praticada por empresa de fomento mercantil que caracterize operação privativa de instituição financeira, nos termos do art. 17 da Lei n.º 4.595/64, constitui ilícito administrativo e criminal. Portanto, à empresa de factorings é vedada a prática de atividades como empréstimo, captação de recursos no mercado, cobrança de juros acima do limite de 12% a.a., dentre outras atividades.

A par disso, é vedado também às empresas de factorings exigirem que suas clientes assumam o risco do negócio, ou seja, se o devedor original, por exemplo, o sacado de uma duplicata, não honrar com a sua obrigação, não pode a factoring exigir da sua cliente o adimplemento dessa obrigação. Em outras palavras, a factoring deve assumir o risco do negócio.

Mas nem tudo é um mar de rosas. Isto porque, a empresa contratante, aquela que precisa dos serviços de uma factoring, deve ficar atenta as diversas irregularidades praticadas pela faturizadora, que rotineiramente impõe obrigações e deveres abusivos a suas clientes. Destaca-se a seguir aquelas mais usuais e que são rotineiramente rechaçadas pelo Poder Judiciário.

A principal abusividade praticada pelas empresas de factorings é a obrigação da recompra dos direitos creditórios que é imposta a empresa faturizada.

Em teoria, a recompra, como próprio nome diz, é ato pelo qual a empresa faturizada solicita à faturizadora (factorings) a recompra dos títulos anteriormente vendidos, seja por conta de algum vício na origem dos mesmos, seja por algum problema na entrega da mercadoria ou até diante de uma devolução. Nesse caso, formaliza-se o pedido através de uma “solicitação de recompra”, devendo, ainda, ressarcir (pagar) a faturizadora o valor face dos títulos, acrescido dos encargos contratuais.

Contudo, na prática tem-se que as empresas de factoring vêm obrigando a cliente-contratante a recomprar os títulos de créditos negociados no caso de simples inadimplência do devedor original daquela obrigação. E, como dito anteriormente, a factoring deve assumir o risco do negócio.

E é nessa linha que os nossos tribunais vêm decidindo a favor das faturizadas.  Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se consolidou entendimento de que o risco assumido pela factoring é inerente à operação de fomento mercantil, não podendo ela se voltar contra a sua cliente faturizada para que responda regressivamente pela inadimplência dos títulos negociados, assim como condenou a inclusão da cláusula de recompra para esses casos.

Outra irregularidade existente nas operações de fomento mercantil são os juros abusivos cobrados da cliente faturizada quando se exige a recompra, ou até mesmo quando o devedor original se torna inadimplente.

Pois bem, a factoring pode cobrar deságio, que é fato de compra dos títulos (precificação dos preços) e acertado entre as partes no momento da operação. Já os juros moratórios e, em alguns casos remuneratórios, são cobrados quando os títulos adquiridos pela factoring não adimplidos nos respectivos vencimentos. E nesses casos, a factoring, além de exigir a recompra, cobra juros altíssimos, seguramente acima do limite legal de 12% ao ano.

E essa prática é considerada abusiva!

A empresa cliente-faturizada, caso aceite em recomprar os títulos, não deve aceitar a incidência de juros acima do limite legal. Também não deve aceitar pagar qualquer encargo moratório quando o devedor original não honre com a sua obrigação, haja vista que é obrigação da factoring assumir o risco do negócio.

Em muitos casos é possível pedir uma revisão judicial do contrato firmado entre as partes, notadamente quando a empresa vem há anos sendo obrigada a recomprar os títulos, atribuindo a ela, além do valor face dos títulos, a cobrança de juros abusivos ou qualquer outro encargo.

Por fim, outras duas abusividades normalmente existentes nas relações de fomento mercantil são: a cobrança de ad valorem quando inexistentes os serviços de prestação serviços, como de administração de contas a pagar e a receber, e a cobrança de deságios abusivos, ou seja, aqueles acima do valor médio praticado pelo mercado, cujo percentual pode variar mês a mês.

Portanto, como se pode ver, o empresário deve ficar atento nas suas relações comerciais com as empresas factoring, pois embora sejam elas um mecanismo que ajuda alavancar o seu negócio, podem ser também a “pá de cal” da empresa.

Muitas empresas têm obtido êxito ao discutir judicialmente a relação contratual, sendo que em muitos casos, não só a quitação da dívida, como também a devolução de vultosas quantias, cobradas abusivamente pelas empresas de factoring.

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(*) O autor é sócio fundador da Oliveira e Favret Sociedade de Advogados.

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