Metal Mecânica

“O Belo Antonio”, o apelido que pegou no Simca Charmbord

Havia uma doce mentira no que talvez tenha sido o mais famoso seriado brasileiro de todos os tempos, “O Vigilante Rodoviário”, exibido pela TV Tupi na década de 1960 e que, além de ter obtido em certos momentos mais de 90% de audiência em São Paulo, também foi levado por duas vezes ao cinema.

As loucas perseguições feitas pelo Inspetor Carlos, o protagonista vivido pelo ator Carlos Miranda, a bordo de uma motocicleta Harley-Davison 1.200 cc ou de um imponente Simca Charmbord, ambos com as cores e insígnias da Polícia Rodoviária, seriam possíveis, na vida real, apenas com a moto.

Mas com o Simca, não.

Pois, como se diria hoje, o Simca Chambord, apesar de ser vendido como um carro de luxo dotado da potência de um superesportivo, simplesmente “não andava”.

Produzido pela Simca francesa entre 1958 e 1961, o Simca Chambord, tal como o Simca Versailles, a partir do qual foi desenvolvido, imitava, com um desenho mais compacto, os grandalhões e esteticamente barrocos automóveis americanos da época – dominada, nos segmentos mais nobres, pelos chamados “rabos-de-peixe”.

Mesmo sem apresentar qualquer inovação digna de nota, as linhas arrojadas, o conforto interno e o ronco inebriante do seu motor – e o preço relativamente baixo para um carro deste padrão – permitiram ao Simca Chambord desfrutar de imediato um sucesso quase planetário.

Tanto que começou logo em seguida a ser construído no Brasil, que mal começara a montar a sua indústria automotiva, na cidade de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, já em 1959, embora 75% das peças ainda viessem da França nos primeiros tempos.

Mas, apesar da boa aparência e do inegável carisma, a primeira versão do Chambord tinha um ponto fraco. Aliás, bastante fraco: o desempenho do seu motor Aquilon, um V8 de válvulas no bloco, herdado da Ford francesa, que carecia da potência necessária para impulsionar como deveria aquele belo sedã.

Foi o bastante para algum engraçadinho pregar-lhe o jocoso apelido de “O Belo Antonio”, tirado de um famoso filme italiano do mesmo nome, cujo principal personagem era um homem elegante, bonito, simpático, porém sem desempenho, ou seja, reunia todos os atributos da beleza masculina, menos a potência sexual.

Apesar de um tanto injusto, este apelido grudou no Simca Chambord e nunca mais saiu, mesmo com os consideráveis melhoramentos posteriores no projeto de motorização. Mas, com aceleração de 0-100 em prolongados 26,7 segundos e velocidade máxima de 135 km/h, o Chambord neste quesito realmente não agradou, no começo, boa parte do mercado ao qual a marca era destinada.

Só não foi deixado encostado nas concessionárias pelo simples motivo de que, então, carros com design arrojado e grande conforto interior, mas com parca motorização, eram mais ou menos comuns a todas as montadoras.

De fato, o desempenho do Chambord, mesmo com o primitivo Aquilon V-8, não era tão aquém dos carros da categoria do seu tempo. No Brasil, era aproximadamente o mesmo do Aero-Willys e inferior apenas ao do FNM 2000 JK, ambos lançados no ano seguinte – embora este último fosse puxado mais para o esportivo, e não para o luxo.

Como o motor Aquilon, o V8 fake, acabou dentro do capô do Simca Chambord, é fruto da história um tanto confusa da criação deste carro, que começa em 1948, quando a subsidiária francesa da Ford começou a fabricar o Ford Vedette. O carro era um projeto americano destinado aos novos tempos de paz, já que a Segunda Guerra tinha finalmente cessado, em 1945. Mas o modelo, que lembrava um pouco o Mercury e deveria ser lançado nos EUA em 1949, acabou recusado por ser “muito compacto”, o que não era do agrado do consumidor médio americano.

O fracasso do Ford Vedette teve consequências funestas para a Ford francesa. Insatisfeita com o trabalho da filial, a matriz americana resolveu, alguns anos depois, simplesmente dissolvê-la e vender suas instalações. A compradora foi a Societé Industrielle de Mécanique et Carrosserie Automobile – a Simca – em 1954, à época interessada em aumentar sua capacidade de produção. E o primeiro carro desta nova fase foi justamente o Simca Vedette: o que fora o mal amado Ford Vedette.

Naturalmente, a Simca logo desenvolveu novos projetos, incluindo um sedã inspirado nos carrões americanos, com muitos cromados e a traseira com estilo rabo-de-peixe. Os novos carros se tornaram o Trianon, mais popular, o Versailles, linha intermediaria e o Régence, de luxo. A empresa também lançou a perua Marly.

Em 1957 surgiriam dois novos modelos, o Beaulieu, mais simples e o Simca Chambord, de luxo, que faria grande sucesso principalmente devido à chamativa pintura bicolor da carroceria, à traseira em estilo rabo-de-peixe e a enorme grade dianteira em aço inoxidável com faróis de longo alcance nas laterais. O motor V-8 Ford foi renomeado Aquilon, nome de um vento frio do norte da França.

O Chambord podia levar seis pessoas confortavelmente e o câmbio de três marchas era movido por uma alavanca na coluna de direção, que possibilitava o banco dianteiro inteiriço e os instrumentos com escala horizontal: iluminação no porta-luvas, lavador do para-brisa, retorno automático do indicador de direção, espelho no para-sol direito, iluminação do painel com controle de intensidade, diversas luzes indicativas e acendedor de cigarros (existente, aliás, também para os passageiros de trás). O porta-malas, de 500 litros, também era agradavelmente espaçoso.

Enfim, o carro era um luxo só. Além de ser, teoricamente, também um bólido, com freios a tambor e grande estabilidade direcional. Mas só que o motor era fraco e antiquado, além de esquentar facilmente e demorar a esfriar, devido a não colocação de uma válvula termostática por razões de custos. Com válvulas no bloco, virabrequim apoiado em três mancais, cilindros de diâmetro pequeno, pesado e com baixo rendimento, o motor foi classificado por muitos consumidores como incompatível a um carro de sua classe, e de resto tão bom.

Mesmo com tantos defeitos de motorização, o Simca Chambord angariou uma vasta legião de admiradores e se tornou no Brasil um dos carros mais carismáticos de sua história automobilística. Para comprovar isso, basta dizer que apenas no primeiro ano foram produzidas 1.252 unidades do Simca Chambord e ele foi construído no país até 1967 (com várias modificações positivas), seis anos depois de a marca já ter sido extinta na França.

Mas não inteiramente. O Chambord deu origem a uma versão ainda mais luxuosa, o Simca Présidence, que tinha calotas raiadas como as do Maserati 250F, pneu estepe atrás do porta-malas, cores exclusivas e bancos de couro. O Présidence, que também foi produzido no Brasil, ainda recebeu motores V8 de verdade.

O prosseguimento da produção do Simca Chambord no Brasil exigiu, obviamente, algumas providências, não só de cunho técnico, mas também na área mercadológica. Já antes, na tentativa de interromper a fase do incômodo apelido de “O Belo Antonio”, a Simca começara a dar ênfase cada vez maior à durabilidade do Chambord, promovendo eventos de resistência e também participando de corridas, muitas delas com o carro sendo pilotado pelo pioneiro e lendário piloto Chico Landi, mestre dos campeões de Fórmula 1 Fittipaldi, Piquet e Senna.

O esforço de marketing resultou também na participação do carro no seriado “O Vigilante Rodoviário”, que começou a ser apresentado em 1961 na TV Tupi de São Paulo. Nada menos do que cinco Simcas Chambord foram emprestados para a série.

Tudo acabou, porém, em agosto de 1967, pouco antes de a Simca completar seu 50.000° veículo produzido no país. Então, a Chrysler concretizou a compra de 92% das ações da empresa, com a Simca do Brasil deixando de existir e dando lugar à Chrysler do Brasil, que acabaria depois comprada pela Volkswagen.

Mas a prova de que o Simca Chambord ficou para sempre no imaginário popular brasileiro é que até o rock já o homenageou. De fato, “Simca Chambord” é o nome de uma das músicas mais famosas da banda brasileira Camisa de Vênus.

(Alberto Mawakdiye)

 

 

 

 

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