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Possibilidade de revisão dos contratos em tempos de coronavírus

 

 

 

Luis Henrique Favret (*)

 

 

Vivenciamos uma época talvez nunca esperada no mundo moderno. Se a situação do país já andava sob as raias da incerteza, a pandemia do vírus Covid-19 deixará sequelas quiçá irreparáveis para as empresas e, para todo o mundo. Se ainda não é possível precisar com exatidão os impactos que esta crise causará, a única certeza é que haverá um forte impacto aos contratos celebrados até então.

 

É fácil supor que o mercado em geral não pôde prever que a disseminação do vírus Covid-19 fosse tão intensa a ponto de causar a necessidade de quarentena e limitações tão imensas ao cotidiano e, a realidade dos contratos celebrados antes do advento dessa grave crise mundial, não deve permanecer da mesma forma agora, e ao tempo do cumprimento das obrigações.

 

Por isso, a antiga fórmula latina do “pacta sunt servanda”, que estabelece que os contratos fazem lei entre as partes, não pode ser vista de forma absoluta. A legislação civil preceitua que, ainda que nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual (parágrafo único do art. 421 do Código Civil), o sistema admite que essa liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos (art. 421, caput, do Código Civil).

 

Essa função social nada mais é do que uma limitação da autonomia da vontade, impedindo que a liberdade que as partes têm possa ser contrária aos interesses sociais. Vale dizer, o que é de importância para toda a sociedade não pode ser violada pelos interesses das partes contratantes, ou de uma só delas, impondo a superposição dos seus interesses.

 

Decerto que a possibilidade da revisão dos contratos é excepcional e deve mesmo assim ser, porque há de se sustentar a segurança jurídica dos contratos. Mas a revisão é justificável em situações excepcionais, quando o equilíbrio entre os interesses das partes é violado por uma situação inesperada e imprevisível, de forma que o cumprimento das obrigações de um contrato na forma originalmente aventada estará prejudicada por conta de inesperados acontecimentos.

 

De boa toada, nesse sentido, o artigo 421-A do Código Civil, introduzido em recentíssima alteração legislativa, e que estabelece a possibilidade de revisão de maneira excepcional e limitada. Seguramente o Judiciário estará atento a possibilidade de renegociação dos contratos para além da vontade de uma das partes, diante de cenário inesperado e que beira à verdadeira tragédia para as relações contratuais.

 

Não se perca de vista que não se tratará de violação à necessária segurança jurídica dos contratos até porque não se fala em inexecução sem justa causa, mas em situação excepcional que alterando as condições inicialmente previstas no contrato, reequilibra a possibilidade de cumprimento contratual. É aqui dizer, que a questão não é nova, porque conhecida a regra da cláusula “rebus sic stantibus” que já traduzia o entendimento de que os contratos fazem lei entre as partes enquanto as coisas permanecem na forma estabelecida na época que se estabeleceu o contrato.

 

A aplicação da cláusula “rebus sic stantibus” está ligada à teoria da imprevisão que consiste na possibilidade de revisão forçada e até de desfazimento do contrato quando, por motivos imprevisíveis e extraordinários, a obrigação de uma das partes se tornar exageradamente onerosa. E desafia compreender objetivamente quais seriam os motivos imprevisíveis que podem tornar exageradamente onerosa a prestação da parte contratante, tendo inclusive a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, já se firmado no sentido de que a alteração da realidade econômica não é fato imprevisível.

 

Seja como for, da forte resistência de nossos tribunais à possibilidade de revisão forçada dos contratos, incluiu-se a imprevisibilidade para justificar a necessidade de imposição do equilíbrio contratual e, como fenômenos de inflação e alterações da economia são comuns entre nós, dai a dificuldade dos tribunais em aceitar fatos exclusivamente extraordinários, as previsíveis, como motivos para o desfazimento ou revisão forçada.

 

Em tempos atuais, o código civil de 2002 inovou ao normatizar a teoria da imprevisão como forma de justificar a resolução ou a revisão de um contrato caso ocorra um acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a sua base econômica, impondo a uma das partes a já mencionada obrigação excessivamente onerosa. Pontualmente o art. 478 do Código Civil prevê a possibilidade de resolução do contrato quando ocorrer a onerosidade excessiva em decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, como parece ser o caso desta terrível pandemia do Covid-19.

 

Para aquelas empresas que firmaram contratos considerando um possível crescimento econômico mas foram surpreendidas – aliás, como todos nós – com a alteração drástica do cenário previsto, ou mesmo para aquelas empresas que terão suas atividades comprometidas diante do imprevisível futuro, restará, na impossibilidade de cumprimento, recorrer aos ajustes contratuais, quiçá de maneira forçada, recorrendo ao Judiciário para alcançarem a revisão de contratos que se tornarem onerosos em demasia.

 

Naturalmente que a mitigação do princípio da força obrigatória dos contratos não pode alcançar absurdos e prejudicar a outra parte contratante e, por isso o traço marcante da teoria da imprevisão é que o obrigação dever ser excessivamente onerosa, impossível de ser cumprida diante de fato inesperado e imprevisível.

 

Aguarda-se, pois, que a pandemia causada pelo Covid-19 possa ser considerada como fator de desequilíbrio contratual, possibilitando que a revisão dos contratos possa trazer equilíbrio para as relações contratuais e operar a harmonia das relações jurídicas.

 

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(*) O autor é advogado e sócio da Oliveira-Favret Sociedade de Advogados.

 

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