Os impactos do coronavírus nos contratos empresariais
Sérgio de Oliveira (*)
A Organização Mundial da Saúde declarou em 11.03.2020 a caracterização do quadro de pandemia em razão à disseminação do novo coronavírus denominado Sars-Cov-2, e que as autoridades governamentais da República Federativa do Brasil, vêm, no uso de suas prerrogativas, recomendando uma série de medidas acautelatórias restritivas de direitos com o fito de se evitar a propagação da pandemia, bem como o eventual colapso do sistema básico de saúde.
Por sua vez, em 20.03.2020 o Senado Federal aprovou o decreto de estado de calamidade pública elaborado pelo presidente da república, que terá vigor até 31.12.2020, tornando indubitável o cenário extraordinário de força maior e os seus graves prejuízos reflexos de natureza sanitária e econômica.
Em consequência, governadores e prefeitos, de forma excepcional, com o único objetivo de resguardar o interesse da coletividade na prevenção do contágio e no combate da propagação do coronavírus (Covid-19) adotaram o sistema de quarentena, com diversas restrições ao funcionamento de estabelecimentos comercias e de serviços.
No estado de São Paulo, a medida determina o fechamento de todos os serviços e comércios considerados não essenciais nos 645 municípios do estado, bem como há recomendação para a redução de circulação de pessoas. Contudo é permitido funcionar supermercados, mercados, açougues e padarias. Nestas últimas, não será permitido servir comida no local. Os bares e restaurantes também poderão funcionar em esquema de entrega.
Também podem funcionar hospitais, clínicas médicas e odontológicas e farmácias. Transportadoras, armazéns, indústrias, call centers e o setor da construção civil têm permissão para continuar operando durante o período de quarentena, assim como serviços de limpeza e segurança.
Mas quais são os impactos da quarentena na nossa economia, sobretudo nos contratos empresariais?
É claro que a quarentena traz consigo efeitos negativos para a atividade econômica, mas esse cenário é muito pior para as pequenas e médias empresas.
Em decorrência de toda turbulência, em escala global, surgem as mais variadas questões e preocupações para os empresários, entre elas, as consequências geradas a partir do potencial descumprimento de cláusulas e condições dos mais diversos tipos de contratos, sejam eles, o de fornecimento de mercadorias, prestação de serviços, locação, construção civil, aluguel, bancário, factoring etc.
Mas como resolver essa questão?
Embora uma resposta definitiva para tais questões seja inviável, no que diz respeito aos contratos privados, a lida preventiva com os problemas é uma ferramenta essencial, permitindo evitar riscos e mitigar prejuízos das partes envolvidas.
A recomendação inicial passa por tratar cada caso de forma única e independente, sempre com bom senso para avaliar a sua posição e de quem está do outro lado. Em qualquer relação contratual, a solução deverá ser guiada pelos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade e transparência, sendo imprescindíveis equilíbrio e bom senso.
Contudo, se não for possível um consenso com o seu parceiro comercial, não restará alternativa senão buscar pela via judicial o reequilíbrio contratual.
Ao credor, é importante buscar entender o que de fato está levando a impossibilidade no cumprimento do contrato pela outra parte. Igualmente, o devedor de uma obrigação deverá entender que do outro lado tem alguém que precisa do cumprimento da obrigação, especialmente quando se trata de pagamento de títulos, para que por sua vez possa cumprir as obrigações assumidas com seus credores.
Quando as tratativas restarem infrutíferas, pode a parte que se sentir lesionada buscar auxílio do Poder Judiciário, visando o reequilíbrio contratual.
Para tanto, atualmente tem ganhado grande destaque a Teoria da Imprevisão, que a exceção a regra “pacta sun servanda” (o contrato faz lei entre as partes).
Pela Teoria da Imprevisão, havendo fatos imprevisíveis, que dificultem o cumprimento da obrigação, a parte que se sentir lesada poderá solicitar a revisão judicial das cláusulas do contrato, buscando justando o reequilíbrio contratual.
Isto porque a situação que existia no momento da contratação deixou de existir durante o cumprimento do contrato.
É claro que devem ser observados em todas as relações contratuais os princípios da boa-fé objetiva e função social do contrato, nos termos dos arts. 421 e 422 do Código Civil.
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Nesse ponto, destaca-se o art. 421-A introduzido no Código Civil pela citada Lei da Liberdade Econômica, no qual estabelece que a possibilidade de revisão contratual de forma excepcional e limitada.
Não obstante a presunção de paridade e simetria dos contratos civis e empresariais, conforme destacado no caput do art. 421-A, a situação de pandemia e as medidas tomadas pelo Poder Executivo, caracterizam-se como eventos imprevisíveis que afastam a presunção
Já o Art. 478 do Código Civil prevê a possibilidade de resolução do contrato quando ocorrer a onerosidade excessiva em decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Portanto, a teoria da imprevisão tem cabimento nos contratos, desde que haja um fato imprevisto; ausência de estado moratório anterior a imprevisão; dano em potencial (desequilíbrio contratual); e excessiva onerosidade de uma das partes e de extrema vantagem de outra
E, não há dúvidas que a pandemia causada pelo coronavírus funciona como fator de desequilíbrio contratual.
Por outro lado, a aplicação da teoria da imprevisão não leva somente à resolução do contrato, mas também a sua modificação equitativa para que esse se convalesça, de modo a permitir o cumprimento do pactuado em harmonia com a ordem econômica e social vigente
Tanto é assim, que a questão pode ser resolvida de forma equitativa entre as partes, evitando-se a resolução do contrato pelo princípio da boa-fé.
É o que prevê o art. 479, do Código Civil, a saber:
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Em suma, a pandemia do coronavírus pode ser considerada como fato imprevisível, em matéria de contratos, e dar ensejo a teoria da imprevisão para resolver o contrato (art. 478 CC) ou apenas operar a sua revisão com a modificação equitativa (art. 421, parágrafo único, art. 421-A e, art. 479, ambos do Código Civil).
Por fim, o mesmo se aplica aos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo também possível em alguns casos suspender ou extinguir a sua execução, especialmente os de financiamentos, serviços educacionais e transportes.
Some-se a isso a existência de inúmeros contratos de adesão, com as cláusulas inteiramente elaboradas por um dos contratantes, sem qualquer possibilidade de alteração, a revelar cunho potestativo nítido
Portanto que a pandemia causada pelo coronavírus funciona como fator de desequilíbrio contratual podendo ser invocado a Teoria da Imprevisão para buscar o equilíbrio perdido.
________________________________________
(*) O autor é sócio fundador da Oliveira e Favret Sociedade de Advogados.