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Pinóquio e o contrato de trabalho intermitente

Paulo Sergio João

 

 

As Aventuras de Pinóquio, romance escrito por Carlo Collodi, cuja primeira aparição em livro teria ocorrido em 1883, guarda muita semelhança com o contrato de trabalho intermitente, trazido pelo legislador na reforma trabalhista de 2017, partindo da ideia de que o trabalho prestado de forma episódica, verdadeiro boneco de pau, como faz Geppetto com a madeira, poderia se transformar em algo relevante, com alma própria das relações jurídicas consistentes.

 

A Lei nº 13.467 alterou o artigo 442, da CLT, para inserir no conceito de contrato de trabalho aquele prestado de natureza intermitente, ficando com a seguinte redação: “o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.”  De fato, foi absolutamente desnecessária a modificação porque no conceito de empregado (artigo 3º, CLT) já existia e existe a situação do serviço de natureza não eventual, suficiente para a contratação como empregado.

 

O contrato de trabalho intermitente é uma ideia mal encaminhada e mal acabada do legislador para atribuir direitos trabalhistas aos trabalhadores que se colocam de modo informal em trabalhos precários, de curta duração ou sazonais e que, usualmente, não podiam ser considerados empregados pois faltavam-lhes a carteira assinada, recolhimento para a previdência social e os demais direitos trabalhistas pois excluídos que estavam da relação de emprego.

 

O legislador retirou da pretendida relação de emprego a sua alma, ou seja, a subordinação, elemento essencial e único capaz de gerar compromissos obrigacionais. Acrescente-se que o legislador, de modo intencional ou não, criou uma situação perversa porque a relação de emprego é falsa, para não dizer que é uma mentira, porque o contrato trabalho não se consuma no princípio essencial do vínculo de emprego que é expectativa da continuidade e, com isso, ofende o inciso I, do artigo 7º, da Constituição.

 

A história do Pinóquio é semelhante: Geppetto construiu o boneco de madeira e queria que ele fosse um boneco de verdade, com alma. Pinóquio, por sua vez, gostaria de ser um boneco de verdade, uma criança, mas é de madeira.

 

O contrato de trabalho intermitente sonha como Pinóquio: ter alma e se tornar de verdade. Entretanto, sua prática não tem gerado inclusão social nem garantias, padecendo de conteúdo que possa assegurar o respeito à dignidade do trabalhador.

 

Por enquanto, inegável sua existência, talvez não no mundo do contrato de emprego, mas em outro modelo que arraste direitos assemelhados àqueles atribuídos ao trabalhador empregado, com garantias de remuneração anual mínima pelas quais se possa eliminar a condição vazia e estéril desse tipo de contrato.

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Paulo Sergio João é advogado, professor de Direito do Trabalho da PUC-SP.

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