Metal Mecânica

Problema de difícil resolução: o barulho ensurdecedor provocado pelas turbinas dos jatos

Definitivamente, uma das vizinhanças mais inóspitas desse mundo moderno são as imediações de um grande aeroporto comercial.

Se não deixa de ser belo e algo emocionante ver de tão perto os grandes aviões pousando e decolando, o ruído que eles provocam, durante essas operações, está bem longe de ser agradável.

Pelo contrário: é tido por unanimidade como um dos barulhos mais intensos e pernósticos que o homem já foi capaz de criar. E com razão.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Otologia (SOB), da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o nível de ruído provocado pela turbina de um avião a jato pode alcançar 140 decibéis. O de um motor de avião a hélice chega aos 115 dB.

Vale a pena comparar com outros ruídos que desafiam a capacidade de resistência do ouvido humano que teve o azar de estar em suas proximidades.

Show de rock: 105 dB a 120 dB; serra elétrica: 110 dB; corneta tocada em campos de futebol: 106 dB; furadeira: 100 dB; rua com tráfego intenso: 85 dBa 90 dB; aspirador de pó: 85 dB.

Segundo a SBO, uma conversa em volume normal gera cerca de 60 dB, enquanto falar sussurrando, 20 dB. Ou seja, um motor a jato emite um nível de ruído mais de duas vezes maior do que o provocado numa conversa, e sete vezes superior ao de um sussurro ao pé do ouvido.

Para ter uma ideia do significado de todos estes valores, volumes de cerca de 50 dB são agradáveis ao ouvido humano. O limiar de desconforto começa em torno dos 100 dB. A dor é sentida a aproximadamente 120 dB.

E atrás destes números escondem-se possíveis problemas de saúde. A partir de 85 dB já existe risco de perda auditiva, a depender do tempo de exposição e da sensibilidade de cada pessoa. Esse também é o limite máximo permitido pela legislação brasileira para a exposição de um trabalhador durante 8 horas por dia.

 

PROVIDÊNCIAS – Naturalmente, sempre houve muita briga entre as autoridades públicas, aeroportuárias e as comunidades para ao menos reduzir a emissão de ruído dos aeroportos, onde as turbinas dos aviões cantam a plenos pulmões para a infeliz vizinhança, durante as centenas de pousos e decolagens diárias.

Proibições de voos noturnos tornaram-se corriqueiras em todas as cidades onde antigos aeroportos acabaram engolfados pela área urbana, como é o caso do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, embora neste caso a proibição seja revogada ou atenuada para ser depois retomada outra vez conforme os humores da administração do momento.

Modelos de aviões também foram proibidos devido ao ruído excessivo que provocavam. Um dos mais bem-sucedidos aviões britânicos de todos os tempos, o BAC 1-11 – famoso OneEleven -, teve que ser tirado de circulação por conta do barulho gerado por seus motores.

Concebido pela Hunting Aircraft e fabricado pela British Aircraft Corporation (BAC), ele foi lançado no início dos anos 1960 e voou por cerca de 30 anos, até ser aposentado em razão de restrições de ruído.

Outros aviões, como o Boeing 737-200, o Douglas DC-8 e o Tupolev Tu-154, poderiam ter tido o mesmo destino não fosse a invenção de um equipamento antirruído, batizado de hush kit, criado para amenizar o barulho dos antigos motores turbofan do tipo low-bypass – os modelos atuais (high-bypass) já são bem mais silenciosos.

O hush kit consiste de uma espécie de exaustor, colocado no final da turbina, que serve para “abafar” o ruído provocado por aviões antigos. Outro benefício proporcionado pela tecnologia é a redução da quantidade de gases poluentes liberados.

Mas talvez o avião recordista em ruído seja a enorme aeronave militar russa Tupolev Tu-95, turboélice que cruzou os céus pela primeira vez no começo da década de 1950. Foi durante décadas o maior símbolo do poderio militar soviético, com seu apelido, “Urso”, sendo clara referência ao seu tamanho e sua força. Algumas unidades estão ainda hoje em operação.

Mas a aeronave é tão barulhenta que outra de suas funções, além das principais, a de servir como bombardeiro estratégico e avião de patrulha marítima acabavam não dando muito certo. De fato, o uso de Tu-95 como avião espião foi sempre prejudicado porque seus motores fazem tanto barulho que ele é facilmente detectado mesmo que esteja muito longe e voando muito alto.

 

CORUJA – O cerco aos aeroportos e à indústria aeronáutica para que deem um jeito de diminuir a barulheira de seus jatos vem apertando cada vez mais. As agências regulamentadoras de aviação determinaram, por exemplo, que até 2030 não pode mais ser possível ouvir fora do perímetro aeroportuário o ruído de um avião ao decolar ou aterrissar.

É uma tarefa que fabricantes e institutos de pesquisa de todo o mundo estão lutando para cumprir, inclusive no Brasil, que afinal tem uma indústria aeronáutica de bom tamanho, representada pela Embraer, e centros de excelência como o respeitado Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), ambas localizadas em São José dos Campos, no interior do estado de São Paulo.

O estudo mais avançado está sendo desenvolvido na Universidade de Campinas (Unicamp), localizada nesta cidade vizinha de São José dos Campos, em parceria com o ITA, a Universidade Lehigh, dos Estados Unidos, a Universidade de Poitiers, da França, e a poderosa fabricante Airbus.

Os pesquisadores do Laboratório de Ciências Aeronáuticas da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp anunciaram que, com base na observação das asas da coruja, projetaram um avião capaz, eles garantem, de emitir menos ruído do que os aparelhos atuais.

“Desenvolvemos um modelo numérico matemático para mimetizar algumas características das asas da coruja em asas de aviões, e por meio de experimentos, comprovamos que isso possibilitaria, sim, projetar aeronaves mais silenciosas.”

(William Wolf, professor da FEM-Unicamp e um dos responsáveis pelo projeto)

 

De acordo com o especialista, os aviões possuem diversas fontes de ruídos aerodinâmicos, gerados pela turbulência no escoamento de ar que passa ao redor das asas. Os mais intensos são produzidos na decolagem, quando a aeronave precisa de potência máxima para alçar voo e a maior parte do ruído é gerada pelo motor.

Já durante o pouso, quando a potência do motor é reduzida, as principais fontes de ruídos passam a ser o trem de pouso e as superfícies de sustentação, compostas pelas asas, flaps e slats, cuja função é aumentar a área de superfície e elevar a sustentação da aeronave.

Os pesquisadores observaram que as asas da coruja – cujo voo é considerado o mais silencioso – possuem penas aveludadas, com franjas elásticas e porosas tanto na região frontal como na posterior, que quebram as estruturas de turbulência em porções menores, diminuindo o ruído.

A partir daí, o laboratório desenvolveu um sistema de asa com enflechamento da região posterior – em que a inclinação é voltada para a parte frontal da aeronave. Essa mudança permitiu reduzir o espalhamento do ruído do motor, modificando a difração acústica e diminuindo a geração de ruído. O sistema já foi patenteado nos Estados Unidos e na Europa.

 

EFEITO COLATERAL – A ironia é que a evolução tecnológica das aeronaves, que culminou nos modernos jatos transoceânicos, contribuiu bastante para o aumento do nível de ruído que elas provocam. De fato, nos últimos anos, os novos motores aeronáuticos tornaram-se mais eficientes e também maiores e, com isso, tiveram de ficar mais próximos das asas para ficarem afastados do chão.

Essa aproximação gera uma interação entre o ruído gerado pelo motor e os bordos de fuga – a parte posterior das asas -, que causa espalhamento acústico e aumenta o ruído das novas aeronaves. Um indesejado efeito colateral, que as fabricantes até agora não conseguiram eliminar totalmente.

Os modernos trens de pouso são outra fonte inesgotável de ruídos. Eles têm origem nas cavidades das rodas e na parte da fuselagem das aeronaves usada para guardar o trem de pouso durante o voo. Os pesquisadores da Unicamp também têm desenvolvido projetos nessa área, neste caso em parceria com a americana Boeing e principalmente através de simulações. (Alberto Mawakdiye)

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