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Qual é a responsabilidade dos militares para a crise climática

O custo ambiental gerado pelos militares do mundo todo atinge cifras estratosféricas, mas pouco se fala sobre o assunto. Um estudo de Patrick Bigger, Nick Pearce, Khem Rogaly e Ketaki Zodgekar, intitulado “Less War, Less Warming: A Reparative Approach to US and UK Military Ecological Damages”, publicado pelo thinktank Common Wealth and the US-based Climate and Community Project, baseado no Reino Unido, dá uma ideia. O estudo é restrito aos Estados Unidos e ao Reino Unido, pela enorme responsabilidade que os dois países têm.

 

Entre todas as instituições governamentais em todo o mundo, os militares dos EUA e do Reino Unido têm algumas das maiores responsabilidades pela crise climática, diz o estudo. “Apesar disso, as emissões de fontes militares não são abordadas nos acordos climáticos internacionais. Como resultado do lobby dos EUA, as emissões militares no exterior foram isentas do Protocolo de Kyoto de 1997 e a comunicação de emissões militares permaneceu opcional no Acordo Climático de Paris de 2015”, frisa o trabalho.

 

Mesmo utilizando dados oficiais opacos, diz o estudo, os militares do Reino Unido e dos EUA emitiram conjuntamente pelo menos 430 milhões de toneladas de equivalente CO2 desde o ano do Acordo Climático de Paris, mais do que o total de emissões de gases com efeito de estufa produzidos no Reino Unido em 2022.

 

Embora várias outras instituições militares também sejam os principais emissores institucionais, o relatório foca no impacto climático conjunto dos militares dos EUA e do Reino Unido por três razões: primeiro, o seu papel histórico no desenvolvimento da economia global de combustíveis fósseis; segundo, o seu consumo atual de combustíveis fósseis, as emissões de gases com efeito de estufa associadas e os danos ambientais produzidos pelas suas infraestruturas militares; e terceiro, a atribuição de investimento público pelos governos dos EUA e do Reino Unido a setores industriais intensivos em carbono para abastecer as suas forças armadas, quando poderiam dar melhor prioridade à política industrial verde.

 

Os governos dos EUA e do Reino Unido e os seus militares são importantes arquitetos da moderna economia de combustíveis fósseis. Ao longo do século 20, as estratégias os militares de ambos os países estiveram intimamente ligadas ao fornecimento de petróleo. No rescaldo da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, a divisão das antigas regiões otomanas pelo Império Britânico foi explicitamente concebida em torno de planos para oleodutos de hidrocarbonetos.  E, o legado dos militares dos EUA e do Reino Unido como arquitetos da economia fóssil continua vivo através do seu consumo atual de combustíveis fósseis. Para se ter ideia, em 2017, o Pentágono produziu mais emissões do que Portugal.

 

A contabilização das consequências sociais das emissões militares dos EUA e do Reino Unido desde 2015, utilizando mesmo um cálculo conservador do custo social do carbono como frisa o estudo, implicaria um pacote de financiamento climático internacional de aproximadamente 111 bilhões de dólares a ser pago às nações mais ameaçadas pela crise climática. Esse valor supera as atuais contribuições dos EUA e do Reino Unido por meio de canais de financiamento climático estabelecidos. Para além das emissões de carbono, a presença ultramarina dos EUA e do Reino Unido mostra os vários modos através dos quais as bases, atividades e infraestruturas militares produzem danos ambientais e resíduos tóxicos.

 

Os militares do Reino Unido e dos EUA dependem ainda de uma indústria militar internacional para fornecer equipamentos e serviços. Tanto nos EUA como no Reino Unido, a indústria de equipamento militar é beneficiária do investimento público concentrado e da capacidade estatal. Nos EUA, por exemplo, um único ano do orçamento do Departamento de Defesa – grande parte do qual é canalizado para empreiteiros privados – eclipsa até as estimativas mais otimistas de uma década de investimento público através da Lei de Redução da Inflação (IRA) e representa a maior parte de todos os gastos discricionários do governo federal. As estratégias industriais centradas nos militares, tanto dos EUA como do Reino Unido, beneficiaram da intervenção estatal, enquanto os setores verdes sofreram com a falta de apoio, observam os autores do estudo.

 

SUL GLOBAL – Os custos da poluição militar e dos danos ambientais foram percebidos de forma mais acentuada nos países do Sul Global que enfrentam os efeitos difusos, mas cada vez mais intensos, do aquecimento global. Como passo inicial para corrigir a contribuição histórica e atual das suas forças armadas para a crise ecológica, os EUA e o Reino Unido deveriam contribuir, juntamente com outros emissores importantes, para fundos governados de forma independente, a fim de compensar os países do Sul Global que enfrentam tanto a crise climática como a escassez de contribuições financeiras climáticas provenientes do Norte.

 

A redução da pegada global dos EUA e do Reino Unido de quase 900 bases militares e a introdução de um superfundo militar, semelhante ao administrado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA, para pagar a reparação ambiental das comunidades afetadas por materiais perigosos, poluição e resíduos provenientes de bases e infraestruturas militares são medidas também necessárias para corrigir todo o espectro de impactos ambientais. A política interna deve também facilitar o desenvolvimento de uma nova base industrial centrada na produção verde em vez da produção militar, através de planos de conversão liderados pelo estado e programas sociais para os trabalhadores atualmente no setor do armamento e aqueles que dependem das suas cadeias de abastecimento. Estas são medidas essenciais para ter em conta a história e o presente das emissões militares dos EUA e do Reino Unido, embora representem apenas passos iniciais no fornecimento de algum grau de compensação pelo seu impacto climático.

 

As contribuições dos militares dos EUA e do Reino Unido para a crise climática vão muito além do atual consumo de combustíveis fósseis. Mesmo que haja opções, ainda não comprovadas para descarbonizar tecnologia militar, como o uso de combustíveis de aviação sustentáveis ​​para jatos de combate, a atividade militar leva a diferentes formas de danos ambientais, incluindo desmatamento, vazamentos produtos químicos de bases militares e desapropriação de terras.

 

Emissões militares e outros impactos ambientais, que não são resultantes de conflitos excepcionais, são enormes. Entre 2001 e 2018, somente um terço das emissões militares dos EUA estavam relacionadas com os seus principais zonas de operação. Manter a atividade militar mesmo fora das zonas de conflito tem consequências ambientais – a contabilização dos danos ambientais exige mais do que a preservação da capacidade militar utilizando energia alternativa de fontes de viabilidade ainda não comprovadas para uso militar, exige uma redução no tamanho das forças armadas dos EUA e do Reino Unido.

 

O estudo recomenda as políticas que se seguem para reduzir a pegada de carbono dos militares:

 

1 – Não somente menos poluição – menos militares

Desde 2001, o Departamento de Defesa dos EUA (DoD) tem sido consistentemente responsável por entre 77 e 80 por cento do consumo total de energia do governo dos EUA, enquanto o Ministério da Defesa do Reino Unido (MOD) é responsável por pelo menos 40 por cento das emissões do setor público britânico. A redução das operações militares e da aquisição de hardware é essencial para a mitigação das emissões.

 

2 – Fechar bases

Deve haver uma redução na extensa pegada infraestrutural das forças armadas dos EUA e do Reino Unido. Os processos de encerramento de bases devem incluir avaliações ambientais e financiamento para a recuperação ambiental.

 

3 – Pagar os países pela poluição passada e presente

Os EUA e o Reino Unido deveriam fazer contribuições internacionais para o financiamento climático como um primeiro passo para compensar os impactos s das emissões diretas de gases com efeito de estufa associadas à atividade militar. O custo social mínimo do carbono atribuível às emissões diretas dos militares dos EUA e do Reino Unido desde o ano do Acordo de Paris é de 111 bilhões de dólares – 106 bilhões de dólares são atribuíveis às emissões dos EUA e 5 bilhões de dólares às emissões do Reino Unido.

 

4 – Criação de um Superfundo Militar Global

Investir na reparação realizada pelas comunidades locais e governos locais em todo o mundo através de pagamentos diretos, transferência de tecnologia e formação profissional em locais contaminados por bases militares dos EUA e do Reino Unido e operações em todos os territórios, tanto internacionais como nacionais.

 

5 – Agrupar e publicar dados transparentes de poluição de fontes pontuais e não pontuais

Deve haver uma quantificação robusta das contribuições militares atuais e históricas dos EUA e do Reino Unido para as alterações climáticas. Tanto o governo do Reino Unido como o dos EUA deveriam realizar uma auditoria abrangente dos danos ambientais produzidos pelas bases militares, começando pelos locais e locais de maior risco.

 

6 –  Investir em uma transição justa para os trabalhadores do setor de armas

A reorientação da capacidade industrial no setor do armamento oferece uma dupla oportunidade: reduzir as emissões industriais militares e, ao mesmo tempo, expandir a capacidade de produção verde. A propriedade e a coordenação públicas podem basear-se numa longa história de projetos de conversão e diversificação para garantir que a conversão que proporcione segurança aos trabalhadores conforme ocorre uma rápida descarbonização.

 

7 – Oferecer emprego alternativo para militares

Os governos dos EUA e do Reino Unido deveriam investir em programas de emprego para compensar a redução dos gastos militares, das bases e dos empregos em todo o mundo.

 

O estudo está disponível em https://assets-global.website-files.com/62306a0b42f386df612fe5b9/6543bc046810de2fe759cf8d_military%20emissions%20final.pdf  (Franco Tanio)

 

 

 

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