Um novo fôlego para a engenharia brasileira
José Manoel Ferreira Gonçalves (*)
Temos defendido entre a categoria dos engenheiros que o momento atual pede uma nova postura desses profissionais que, historicamente, estiveram à frente das grandes conquistas tecnológicas do Brasil.
Precisamos nos engajar na construção de um novo modelo de desenvolvimento, mais justo e democrático, que nos traga de volta o sonho de um país mais humano, com melhores índices de bem-estar social. O primeiro passo para essa mudança é resgatar a autoestima do engenheiro.
Felizmente, em plena pandemia, temos exemplos e motivações que podem ser o estopim desse novo ciclo para a profissão. Engenheiros da Poli-USP desenvolveram, em tempo recorde, um ventilador pulmonar de baixo custo, que já está sendo testado com êxito e poderá ser decisivo para o combate ao novo coronavírus entre a população.
Outra notícia animadora para quem acredita na capacidade de nossa engenharia é que a Embraer deverá seguir com suas próprias pernas, após a Boeing não honrar o acordo outrora anunciado de que viria a adquirir 80% das operações comerciais de nossa maior representante na moderna indústria aeronáutica mundial.
Referência para outros setores, a Embraer certamente ocupará um lugar de destaque na retomada de uma participação mais efetiva dos engenheiros no desenvolvimento nacional.
Nada mais sintomático que a Embraer esteja no centro dessa discussão que pode marcar um novo ciclo para nossa engenharia. A empresa sempre foi um ativo estratégico do povo brasileiro, e agora tem a chance de prosseguir ocupando esse espaço, oferecendo inclusive oportunidades de trabalho para as novas gerações.
A alta tecnologia que alguns possam defender como um grande ganho do acordo Boeing-Embraer já é algo que demonstramos ter capacidade para desenvolver, muitas vezes antes mesmo dos competidores estrangeiros, não apenas na indústria aeronáutica, mas em outros setores estratégicos. Vejamos:
- Nosso Vale do Silício surgiu com a criação do Centro Técnico Aeroespacial em São José dos Campos, em 1946, dez anos antes do polo da Califórnia. A Embraer foi criada em 1969. Hoje, há 1000 empresas privadas no entorno da indústria aeronáutica.
- Nossa tecnologia de águas profundas é pioneira. Foram 30 anos de pesquisa e desenvolvimento nos 200 laboratórios do CENPES da Petrobras e 50 universidades. Há cerca de 5.000 empresas privadas criadas em torno da indústria do óleo & gás.
- A Embrapa, criada em 1972, é exemplo de tecnologia agrícola e agricultura de alta precisão, e hoje conta com 2 mil pesquisadores. Um feito importante foi a introdução do cultivo da soja no cerrado, o que nos tornou o líder mundial de produção do grão.
- Temos o maior produtor de vacinas do Hemisfério Sul, o Instituto Butantã, criado em 1901.
- Outro exemplo bem-sucedido, em tecnologia de materiais, é o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, criado em Campinas, em 1997. Hoje é o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), o principal do gênero no Hemisfério Sul.
Enfim, são apenas algumas provas de nossa capacidade em seguir adiante com nossas próprias pernas. Cérebros e inteligência coletiva não são reservas exclusivas de nenhum país em particular, e esse é mais um mito a ser esquecido.
Amigos engenheiros, o fato é que o vírus afetou a Embraer e ajudou, por consequência, a salvar a engenharia brasileira.
Nesses tempos sombrios, enfim temos uma perspectiva positiva para o futuro do país.
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(*) O autor é engenheiro e integrante do Engenheiros pela Democracia e presidente da Ferrofrente.