Crescimento da participação da China nas exportações brasileiras reflete também a desindustrialização do país

A assustadora queda das exportações brasileiras de carne bovina no último mês de novembro demonstrou mais uma vez como é arriscado, tanto para os países como para as pessoas, colocar os ovos todos em um mesmo cesto.
Como resultado do embargo sanitário imposto à carne brasileira pelo governo chinês, no mês de novembroo Brasil negociou com o exterior 81,174 mil t do produto, muito abaixo das 167,736 mil t negociadas em novembro de 2020. Isto significou uma retração de nada menos do que 51,6%.
Foi o pior novembro desde 2016. Mas o cenário já tinha desandado em outubro, o segundo mês do embargo decretado pela China após o Brasil confirmar dois casos atípicos de vaca louca, nos estados de Minas Gerais e Mato Grosso. O recuo em outubro já fora de expressivo 43%, segundo dados da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).
Naturalmente, a ausência do principal comprador de carne bovina brasileira – a China vem importando nos últimos anos quase metade de toda a carne que o Brasil envia a outros países – também vai impactar os números finais de 2021. Estima-se que as exportações devem encerrar o ano com 2,6 milhões de t, ante 3 milhões de t que estavam previstas antes da proibição chinesa, que acabou sendo finalmente retirada agora neste mês de dezembro.
DEPENDÊNCIA – O imbróglio entre o Brasil e a China envolvendo a carne bovina foi, sem dúvida, um caso isolado, mas serve para lançar luz sobre osfortes laços de dependência que o comércio exterior brasileiro criou com a China.
De fato, hoje, quase um terço de tudo o que o Brasil exporta é mandado para a China. Nos 12 meses encerrados em outubro, a China respondeu por 32,72% das exportações brasileiras.
No fluxo internacional de comércio brasileiro, a participação da China já superou em muito a dos Estados Unidos, que sempre foi o maior parceiro do país entre as nações industrializadas. Atualmente, os Estados Unidos respondem por apenas 10,87% das exportações brasileiras.
A redução da participação estadunidense deu-se também na mão inversa, a das importações. De outubro de 2020 a outubro de 2021, a China foi responsável por 22,05% das importações brasileiras, contra 18,3% dos Estados Unidos. Como consequência, o fluxo de comércio com a China neste período foi de 28,09% do total do comércio exterior brasileiro, diante de 17,1% dos EUA.
De qualquer modo, a China respondeu por 67,53% do saldo comercial brasileiro, contra um déficit de 12,18% com os Estados Unidos. O que não deixa de ser uma boa notícia, já que, enquanto o Brasil é superavitário em relação à China, sempre foi historicamente deficitário diante dos Estados Unidos. Trata-se de uma tendência que deve continuar a predominar.
Na comparação entre os meses de outubro de 2020 e 2021, por exemplo, houve um aumento de US$ 10,5 bilhões no saldo comercial brasileiro, puxado por três grupos de países: China e as “cidades associadas” de Hong Kong e Macau (US$ 5,3 bilhões), Associação das Nações do Sudeste Asiático (US$ 3,7 bilhões) e Comunidade Andina das Nações (US$ 1,6 bilhão).
COMMODITIES – O problema é que o superávit com a China foi conquistado com o concomitante aumento das commodities na pauta de exportação brasileira.
De fato, os dois produtos hoje mais exportados pelo Brasil – minério de ferro e soja – são absorvidos basicamente pela China. O país do Leste Asiático responde por, simplesmente, 88,7% das vendas brasileiras de minério de ferro e de 85,1% da venda de soja.
A predominância chinesa não para por aí. Dos dez produtos mais significativos da pauta de exportações, a China lidera em seis deles, é o segundo maior mercado em dois e o quarto maior em um. A concentração aparece como mais intensa ainda quando se constata que os três itens principais da pauta de exportações para a China respondem por 41,6% de todas as exportações para os parceiros importantes, e os dez produtos mais adquiridos pela China representam 51,1% das exportações para todos os parceiros.
Na comparação com a relação Brasil-Estados Unidos, embora este país seja ainda o segundo maior parceiro comercial do Brasil, esta parceria é hoje quase anã. Os dez produtos mais vendidos para os EUA representam 10,9% das exportações totais – contra 41,6% da China. Entre os dez maiores produtos da pauta de exportações brasileira, os EUA lideram as vendas em apenas dois.
Mas é digno de nota o fato de que, em compensação, dos cinco produtos mais vendidos para o mercado americano, quatro são de manufaturados e semimanufaturados. Ao contrário da China, que compra basicamente commodities.
Mas ambos os gigantes perdem longe da Argentina no que diz respeito à proporção de manufaturados adquiridos do Brasil. Embora o país vizinho tenha hoje um peso minúsculo no valor total das exportações brasileiras, responde por aquelas que possuem disparado os maiores valores agregados.
Mesmo mergulhada em uma crise econômica que parece interminável, a Argentina ainda responde por 54,4% das exportações de automóveis e 42,2% das autopeças produzidas no Brasil. Em escala menor, esta é a mesma situação do México – outro mercado complementar ao brasileiro nas mais diversas áreas. Apesar da pouca expressão no valor total exportado, o México também tem peso substancial nos manufaturados.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO – De outro lado, este cenário mostra a crescente limitação dos produtos industrializados na pauta geral de exportação do Brasil, em detrimento das commodities – outro fruto, sem dúvida, do implacável processo de desindustrialização que o país vem sofrendo pelo menos desde a década de 1990.
Desde o segundo trimestre de 2008, por exemplo, quando o setor manufatureiro teve peso de 16,8% no Produto Interno Bruto (PIB), o maior da série histórica, ele nunca mais parou de cair. Nos primeiros três meses de 2021, chegou à participação ralíssima de 10,3%.
Já na agropecuária e na indústria extrativa – mineração, sobretudo -, a curva manteve-se ascendente, apesar dos percalços de sempre. No primeiro trimestre de 2021, o peso desses setores no PIB, somados, foi de 16,2%. Comparando os meses mais recentes de novembro de 2020 e novembro de 2919 – antes, portanto, da pandemia -, as maiores quedas foram também na coluna dos produtos manufaturados – máquinas e equipamentos, artigos de ferro e aço, veículos rodoviários, máquinas e aparelhos especializados e celulose.
Já as maiores altas foram também na coluna das commodities –
minérios (incluindo o ouro), soja, açúcar e carne. Os produtos mais exportados, minérios diversos e soja, responderam por 40% do volume total da pauta brasileira.
A perda de ritmo na venda dos manufaturados fica ainda mais nítida em um horizonte de tempo médio, pegando-se, por exemplo, 2016: eles caíram de uma participação de 65,8% naquele ano para 51,2% do voluma total em 2020.
E mesmo assim, dos dez principais produtos exportados pela indústria de transformação brasileira, apenas um – os autoveículos – não está de alguma forma agregado a algum tipo de commoditie.
Ou seja, o Brasil está se desindustrializando sob a vista de todos e, para muitos analistas, voltando à situação pré-1930, quando a política de exportação da chamada República Velha era quase que inteiramente baseada na venda de café.
Mas talvez aí haja certo exagero. Hoje, a agropecuária exportadora brasileira, por exemplo, funciona dentro do sistema do agronegócio, ou seja, reúne todas as operações da fazenda, mais a manufatura, a distribuição dos insumos de produção e as operações como manipulação, estocagem, processamento e distribuição dentro de uma bem amarrada cadeia produtiva.
É, portanto, um sistema que agrega dentro de si, por exemplo, toda a indústria de máquinas e implementos agrícolas, estimulando diretamente a produção de insumos para estes setores, como aço e vidro, e movimentando uma bem fornida rede de comércio e serviços, além de cevar pesquisas tecnológicas.
Mas, para alguns especialistas, isso é muito pouco. A indústria brasileira, para eles, não pode se limitar a apenas atender o agro – caminho que parece cada vez mais possível.
Seria preciso, ao contrário, investir de novo na diversificação industrial, e na criação de empregos com a qualidade e a remuneração que só uma variada indústria de transformação permite. (Alberto Mawakdiye)