Escassez de aços elétricos pode afetar planos de eletrificação de veículos
A partir de 2025, a indústria automotiva pode sofrer uma nova crise de suprimentos. Há o risco de faltar de aço elétrico, pois o rápido crescimento na produção de veículos híbridos e elétricos pode potencialmente fazer a demanda superar a capacidade suprimento, conforme alertam os analistas da área de Automotive Supply Chain and Technology, da IHS Markit, no artigo “Electrical steel – Another temporary supply chain shortage or a threat to OEMs’ electrification plans?”, assinado por Claudio Vittori, analista sênior de Pesquisa Técnica da área de Pesquisa de Componentes de Powertrain e E-Mobility Graham Evans, diretor de Auto Supply Chain & Tecnologia; e Matteo Fini, vice-presidente da área de Cadeia de Suprimentos Automotiva, Tecnologia e Aftermarket.
Essa possível escassez pode afetar seriamente os planos de eletrificação das fabricantes de automóveis, se não houver investimento em mais produção. O aumento da capacidade de produção, para os analistas, é a única medida para resolver o desequilíbrio estrutural entre a capacidade e o grande aumento da demanda por aço elétrico.
Aços elétricos são aços especiais com propriedades magnéticas específicas, incluindo uma pequena área de histerese para baixa perda de potência por ciclo, baixa perda de núcleo e alta permeabilidade. Aços elétricos são encontrados em todo o veículo moderno – desde os pequenos motores que acionam espelhos e assentos até as máquinas maiores que são usadas nos sistemas de propulsão de veículos elétricos híbridos ou completos. Motores de tração e geradores nessas unidades de acionamento alternativos são particularmente dependentes de aços elétricos altamente eficientes. Na foto, veja a estrutura policristalina de aço elétrico, depois da remoção da cobertura.
O aço elétrico é responsável por apenas 1% do mercado global de aço de 2 bilhões de toneladas métricas em 2020, conforme estima a IHS Markit. Porém, a matéria-prima é considerada cada vez mais crítica para os planos de eletrificação dos fabricantes, assim como de várias iniciativas de transição energética.
CATEGORIAS – O mercado de aço elétrico comercial é dividido em duas categorias principais: o de aço elétrico de grão orientado (grain-oriented electrical steel – Goes) e de aço elétrico de grão não-orientado (non-oriented electrical steel – Noes). O Goes é usado em máquinas estáticas, como transformadores, que exigem magnetização unidirecional, enquanto o Noes é usado em máquinas rotativas, como motores e geradores, que exigem magnetização multidirecional.
As montadoras têm uma exposição direta óbvia ao Noes, mas também estão indiretamente expostas ao Goes, que é fundamental para apoiar a implantação da infraestrutura de carregamento de veículos elétricos.
O Noes é um material de entrada direto usado na fabricação de motores elétricos para veículos híbridos e elétricos, assim como em muitas aplicações de motores de baixa potência. De 35 a 45 motores de baixa potência são instalados em média por carro, com cerca de 20 no chamado segmento B e 80 no chamado segmento E – na Europa os carros são categorizados em seis grandes segmentos, de A a F, baseados principalmente no comprimento dos veículos. Os do segmento A são os mais econômicos, para uso urbano, e os do segmento F os mais luxuosos.
A diferença crítica entre os vários tipos de motores está no grau Noes que está sendo usado. Motores híbridos leves usam menos de US$ 10 de Noes de alto grau, enquanto os veículos elétricos a bateria usam entre US$ 60 e US$ 150 por motor de uma extensão de Noes de alto grau – chamado de grau xEV. Em algumas configurações pode haver mais de US$ 300 em conteúdo Noes por veículo. Este grau xEV é onde as preocupações de restrição de capacidade estão surgindo, dizem os analistas da IHS Markit.
SITUAÇÃO MAIS CRÍTICA – Das mais de 11 milhões de toneladas de Noes produzidas em 2020, apenas 456.000 toneladas eram Noes de grau xEV. Uma possível escassez de Noes de grau xEV pode ocorrer pelas seguintes razões, de acordo com o artigo da IHS Markit:
– Espaço limitado para novos participantes. Atualmente, apenas 14 empresas são capazes de fabricar Noes de grau xEV que atendem aos requisitos globais das montadoras. Existem grandes barreiras à entrada pelos investimentos necessários em bens de capital associados a equipamentos de laminação a frio, recozimento e revestimento, know-how de fabricação, relacionamentos fabricante-fornecedor e proteção de patentes.
– Fabricação geograficamente concentrada. Aproximadamente, 88% da fabricação estão concentrados na China, Japão e Coréia do Sul e depois são exportados para outras regiões geralmente na forma de bobinas de aço. A oferta é extremamente limitada na América do Norte.
Para se ter ideia, a Cleveland-Cliffs é a única produtora dos EUA de Noes, que adquiriu a AK Steel em 2020. A fabricação de Noes e Goes da Cleveland-Cliffs compartilha equipamentos de produção comuns. Além disso, a Cleveland-Cliffs está mais focada na produção de Goes para atender à crescente demanda regional por transformadores elétricos, reduzindo assim a capacidade de Noes de grau xEV disponível. No entanto, em novembro de 2021, o Bureau of Industry and Security do Departamento de Comércio dos EUA observou que a Cliffs pode parar de produzir Goes devido à baixa lucratividade, em parte reflexo dos anos de pressão de importações de baixo custo.
– O espaço para alterar o material ou fornecedor de aço é limitado. Devido à correlação entre a eficiência de um motor e a faixa de operação de um EV, as diferenças na perda do núcleo (uma medida crítica da energia elétrica de entrada desperdiçada como calor durante a magnetização) entre fornecedores de produtos Noes concorrentes podem ter impactos significativos nas decisões de compra do OEM, particularmente para fabricantes que compram laminações de aço elétrico em grandes volumes.
– Os processos a jusante também enfrentam gargalos. Existem apenas 20 estampadoras de laminação de núcleo de motor que podem atender às necessidades dos fabricantes, há apenas cinco empresas que podem produzir essas prensas de estampagem exclusivas e há menos de 10 produtores de ferramentas independentes com competência para fabricar as matrizes de estampagem exclusivas que podem suportar motores de projetos última geração.
A equipe da IHS Markit diz que preocupações com as restrições de capacidade podem surgir por volta de 2023. Os analistas também afirmam que é altamente improvável que as usinas possam suportar a demanda do mercado a partir de 2025 sem investimentos adicionais significativos. No entanto, adicionar capacidade em 2025 exige que as usinas tomem decisões com urgência. A situação parece ainda mais difícil quando se leva em consideração que a maioria das usinas Noes de grau xEV pode sustentar apenas 90% de utilização da capacidade por longos períodos de tempo.
Devido ao crescimento exponencial de veículos eletrificados nos próximos anos, permanece o risco de o fornecimento de aço elétrico não atender à demanda entre 2023 e 2025. Apesar dos aumentos de capacidade projetados, é provável que ocorra uma escassez estrutural de 61.000 toneladas em 2026. Sem maiores investimentos, essa escassez pode aumentar drasticamente para 357.000 toneladas em 2027, culminando em uma escassez de 927.000 toneladas até 2030. (texto: Franco Tanio/foto: Zureks/reprodução Wikimedia)