Hydro Alunorte e Minérios Nacional: vazamentos podem ser evitados com medida simples
Alexandre Pierro (*)
A Hydro Alunorte, mineradora localizada no município de Barcarena, no Pará, tem ocupado boa parte dos noticiários. A empresa já veio a público se desculpar pelo transbordamento do depósito de água da fábrica, provavelmente ocasionado pelas fortes chuvas dos dias 16 e 17 de fevereiro. A companhia, que pertence em 92,1% ao grupo norueguês Norsk Hydro, produz 5,8 milhões de toneladas de alumina por ano. A alumina, extraída da bauxita, é a principal matéria-prima para a produção do alumínio.
Essa semana, mais um caso semelhante foi divulgado pela imprensa. Sob risco de rompimento de duas barragens, o Ministério Público decretou a interdição do lançamento de rejeitos, obrigando a mineradora Minérios Nacional, do grupo CSN, localizada no município de Rio Acima, Minas Gerais, a garantir a estabilidade das represas – que apresentam vazamentos – num prazo de até 15 dias. Caso ocorra um rompimento, parte ou a totalidade dos quase 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro contidos nos reservatórios invadirão o pequeno Ribeirão Fazenda Velha e, em menos de sete quilômetros, chegarão ao Rio das Velhas. Em apenas mais 23 quilômetros, os rejeitos alcançariam a área de captação da Copasa em Bela Fama, responsável por abastecer cerca de 50% da Grande Belo Horizonte. O temor é que tenhamos uma nova tragédia como a de Mariana.
Na Hydro Alunorte o estrago já está feito. A “lama vermelha” registrada após as chuvas contaminou o rio Pará, representando riscos para pescadores e outras comunidades próximas à fábrica, com níveis elevados de alumínio e metais tóxicos na água. Até agora, a empresa recebeu multas que já totalizam R$ 20 milhões.
O mais curioso é que todos os prejuízos financeiros e ambientais poderiam ter sido evitados com uma medida muito simples: a implementação de um Sistema de Gestão Ambiental, baseado na norma ISO 14001. Esse sistema seria uma ferramenta eficaz para garantir que a empresa atendesse os requisitos ambientais em sua totalidade, evitando qualquer vazamento de rejeitos acima dos parâmetros estipulados pelas leis brasileiras.
A ABNT NBR ISO 14001 especifica os requisitos de um Sistema de Gestão Ambiental e permite a uma organização desenvolver uma estrutura para a proteção do meio ambiente e rápida resposta às mudanças das condições ambientais, bem como garantir que todas as leis ambientais em todas as esferas (municipais, estaduais e federais) sejam cumpridas. A norma leva em conta aspectos ambientais influenciados pela organização e outros passíveis de serem controlados por ela. A implementação dessa norma é muito importante para empresas com alto risco ambiental, como é o caso dos segmentos de mineração, petróleo/gás e indústrias de modo geral. Tê-la, significa demonstrar à sociedade que se está de acordo está de acordo com políticas ambientais e práticas sustentáveis, com o aumento do desempenho ambiental e focada no atendimento dos requisitos legais (legislação ambiental) aplicáveis para o seu setor de atuação.
No entanto, de acordo com informações disponíveis no próprio site da empresa, a Hydro Alunorte conquistou a certificação ISO 14001 no ano de 2010. Contudo, as certificações possuem um período de validade de três anos, sendo necessária uma nova auditoria para recertificação. Além disso, são necessárias auditorias de manutenção uma vez por ano. No caso da Hydro Alunorte, sua ISO está expirada desde 2013, já que a empresa não passou pelo processo de recertificação. No caso da Minérios Nacional, no site da CSN consta que essa unidade está em fase de implementação da norma, porém, ainda não completou a implementação de todos os requisitos normativos.
Desde 2015, passou a vigorar uma nova versão da ISO 14001. Uma das maiores novidades dessa atualização é, além das questões estratégicas relacionadas ao meio ambiente, a incorporação de uma forte gestão de riscos, o qual engloba uma maior análise das legislações ambientais, maior preocupação da cadeia de valor, ciclo de vida e desenvolvimento sustentável da empresa e de seu entorno. Esse erro custou e ainda vai custar muito caro à Hydro Alunorte. Além das multas, as ações da Norsk Hydro perderam 15,82% de seu valor no último mês. Um juiz do estado do Pará também obrigou a empresa a reduzir em 50% a produção de sua fábrica. E, para minimizar os impactos, a companhia anunciou um investimento de US$ 64 milhões. Prejuízos ainda maiores podem ser contabilizados pela Minérios Nacional se a estabilidade das barragens não for garantida.
Os dois casos certamente nos trazem à memória a tragédia de Mariana, em Minas Gerais, em 2015. O tsunami de lama da mineradora Samarco simplesmente tirou do mapa o povoado de Bento Rodrigues, matando 19 pessoas e contaminando mais de 600 quilômetros do Rio Doce, devastando a fauna, a flora e os sonhos da população do entorno. A empresa, que está fora de atividade desde o acidente, acumula prejuízos bilionários. A Samarco empregava mais de 1,2 mil pessoas, e hoje mantém apenas o trabalho de manutenção para os equipamentos não enferrujarem. Quase a metade dos trabalhadores perdeu o emprego. Mais de 700 funcionários de empreiteiras que atendiam a Samarco também foram demitidos. O movimento no comércio da cidade despencou e a arrecadação de impostos também.
Infelizmente, o Brasil é o país em desenvolvimento com o menor número de empresas certificadas na norma ISO 14.001. Atualmente, apenas 2.978 empresas estão certificadas na versão 2004, que expira em setembro deste ano. Na versão 2015, a mais recente, são apenas 98. Esses números demonstram a falta de preocupação das empresas brasileiras em possuir uma ferramenta de gestão que as auxilie na prevenção e gerenciamento do risco ambiental. Quantas Samarcos e Hydros Alunorte ainda serão necessárias até que providências mais eficazes sejam tomadas? Que o destino da Minérios Nacional seja diferente.
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(*) O autor é Palas, consultoria em gestão da qualidade.