Acidente fatal com um carro autônomo do Uber põe em xeque a rapidez das pesquisas
A morte de Elaine Herzberg, de 49 anos, atropelada no último dia 18 de março por um carro autônomo do Uber durante um teste na cidade de Tempe, perto de Phoenix, nos Estados Unidos, fez mais do que abrir uma tórrida discussão sobre as verdadeiras condições de segurança dos “carros que andam sozinhos”.
Está fazendo muita gente se perguntar, nos EUA e fora deles, se as pesquisas sobre esse tipo de veículo não estariam indo depressa demais. E se os grandes investimentos na modalidade, já anunciados por tantas empresas, a começar pelo Uber, não resultariam em mais perdas do que ganhos para os países que a adotassem.
De fato, praticamente toda montadora digna deste nome tem, hoje, algum programa na área de carros autônomos, com os gigantes do setor, como Ford, GM, Toyota, Renault, Mercedes e Volvo, estando alguns passos à frente, muitas vezes em parceria com pilares da cadeia automotiva, como a Bosch.
Empresas high-tech, como Tesla, Google, Apple, Waymo e Samsung, também estão participando ativamente do jogo, assim como companhias que, a princípio, nada têm a ver com alta tecnologia, mas obviamente poderiam lucrar bilhões com a posse de carros sem motorista: é suficiente citar a Pizza Hut e o próprio Uber.
Tão excitado estava o Uber para ter em mãos uma frota completa de carros autônomos – isso reduziria os seus custos para algo próximo do zero, se comparados aos de hoje – que a empresa firmou um acordo para a compra de milhares de carros da Volvo para realizar, em um prazo bem curto, o seu sonho de consumo.
O contrato prevê a compra de até 24 mil veículos XC-90 entre 2019 e 2021, em um negócio – de porte realmente impressionante – que deverá render cerca de US$ 1,4 bilhão à montadora. Na verdade, o Uber já tem 200 utilitários esportivos Volvo equipados com sistemas de direção autônoma, que estavam participando de testes em Pittsburgh e em Tempe – foi um desses Volvos que atropelou Elaine.
O acidente fez o Uber, prudentemente, suspender os testes, no que foi imitado por praticamente todas as empresas envolvidas com os carros autônomos. A legislação federal sobre a modalidade, que estava para sair, foi recolhida e já está sendo rediscutida. É como se o tema entrasse em modo de espera, sob uma luz desfavorável.
DESEMPREGO – Pior do que isso, estudos recentes sobre os efeitos deletérios que os carros autônomos poderiam provocar na economia e no mercado de trabalho começaram a circular outra vez. Uma pesquisa da Columbia University mostrou que se empresas como o Uber conseguissem substituir todos os táxis de Nova York (cerca de 9 mil) por carros autônomos, os passageiros iriam esperar apenas 36 segundos para uma viagem de 50 cents a cada 1,6 quilômetro. O que tornaria cada vez menos atrativa possuir um carro, tornando os táxis autônomos uma forma dominante de transporte urbano.
As grandes montadoras, como GM, Ford e Toyota, sentiriam diretamente o impacto dessa inovação. Afinal, elas dependem hoje da produção de milhões de carros com diferentes variações para atender a gostos individuais. Para enfrentar a provável concorrência de startups como a Tesla, teriam de reduzir não só a quantidade de veículos jogados no mercado, mas oferecer bem menos modelos, e mais padronizados.
Produtoras de insumos, como aço, alumínio, vidro, têxteis, borracha e tintas, também seriam gravemente afetadas, e segmentos dependentes da indústria automotiva, como o de seguro de veículos, financiamento, estacionamentos, revendedores, aluguel de carros, empresas de transporte público e até autoescolas, se aproximariam perigosamente do colapso.
Já o mercado de trabalho, seria devastado. Segundo o Bureau of Labor Statistics, 884 mil pessoas trabalham hoje na fabricação de motores e peças, com mais 3 milhões sendo empregados na rede de concessionárias e serviços. Caminhões, ônibus, táxis e tratores respondem pelo emprego de 6 milhões de motoristas. Boa parte desses 10 milhões de empregos diretos seria eliminada em um prazo curtíssimo.
Mas se a polêmica se resumisse a este lado da questão, estaria tudo resolvido – os carros autônomos seriam proibidos por injunções econômicas, e a vida seguiria. O problema é que os argumentos a favor deles também são fortes, quase irrespondíveis.
Apesar da perda de empregos e da destruição em massa de indústrias, a eliminação da necessidade de comprar um carro poderia gerar mais de US$ 1 trilhão de renda adicional disponível no mercado – que provavelmente seria utilizada em projetos inovadores e na criação de novos empregos.
O nível de segurança no trânsito se aproximaria do ideal, pela redução dos veículos em circulação. A PricewaterhouseCoopers prevê que, com a adoção ilimitada dos autônomos, o número de veículos nas estradas americanas seria reduzido em 99%, com a frota caindo de 245 milhões para apenas 2,4 milhões de veículos.
Já a Morgan Stanley estima que uma redução de 90% em acidentes pouparia cerca de 30 mil vidas e preveniria mais de 2 milhões de lesões anualmente.
As próprias cidades sairiam ganhando. Carros sem motorista não precisam estacionar: manobras na rua em busca de vagas para estacionar são responsáveis por nada menos do que 30% do tráfego urbano, e o espaço destinado para estacionar ao lado do meio-fio acrescentaria uma faixa extra na capacidade das ruas da cidade.
Os congestionamentos quase deixariam de existir, e com estacionamentos, garagens, concessionárias e estações de ônibus se tornando obsoletos, dezenas de milhões de quilômetros quadrados de terrenos e imóveis estimulariam um explosivo desenvolvimento urbanístico de um novo tipo, menos associado ao automóvel.
O meio ambiente também seria beneficiado, com a drástica redução da dependência de combustíveis fósseis – afinal, a maioria dos carros autônomos tende a ser elétricos. Só nos Estados Unidos, poderia deixar de ser consumida parte substancial dos 508 milhões de litros de gasolina anuais colocados à disposição dos motoristas. Enfim, a discussão parece finalmente ter começado. E promete ser boa. (Alberto Mawakdiye).