Máquinas-ferramenta são consideradas ambientalmente sustentáveis. Por quê?
As máquinas-ferramenta são necessárias e críticas e estão presentes em praticamente todas as atividades manufatureiras. Mas elas são sustentáveis? A pergunta faz muito sentido hoje, quando empresas do mundo todo estão preocupadas em atender ao ESG, a abreviação de “Environment, Social & Governance” (Ambiental, Social e Governança), conceito que se refere às boas práticas empresariais que se preocupam com critérios ambientais, sociais e parâmetros de excelente governança corporativa.
A resposta é sim, segundo o documento “The incredible life of a machine tool: from birth to the beginning of a new cycle”, publicado pela Cecimo, a associação europeia das indústrias de máquinas-ferramenta e tecnologias relacionadas.
O documento da Cecimo trata das máquinas-ferramenta produzidas na Europa, mas certamente as evidências sobre a sustentabilidade das máquinas-ferramentas podem ser transpostas às máquinas de boa qualidade fabricadas em outras partes do mundo. A seguir, alguns trechos adaptados do documento.
Com base nas evidências disponíveis, pode-se argumentar que as máquinas-ferramenta são de fato produtos sustentáveis. As máquinas-ferramentas possuem grande durabilidade e longa vida útil, como mostram nossos dados da indústria, que indicam que a maioria das máquinas é capaz de permanecer em serviço mesmo após 20 anos de operação contínua. São compostas em grande parte por materiais metálicos (cerca de 83%), que permitem elevados níveis de reciclagem e reutilização de materiais, dando origem a ciclos de produção sustentáveis num ciclo quase sem fim. Finalmente, as máquinas-ferramentas são projetadas com uma alta facilidade de manutenção em mente, portanto, são altamente propensas a serem reparadas, reutilizadas e remanufaturadas – o retrofit e a remanufatura tornaram-se práticas padrão em nosso setor.
PRODUÇÃO – A indústria fabricante de máquinas-ferramenta caracteriza-se pela heterogeneidade de porte, uso e tipo de produtos de máquinas-ferramenta. Na Europa, há uma variação alta no tamanho das empresas dentro do setor, que reúne desde pequenas empresas que empregam menos de 10 pessoas e fabricam algumas unidades por ano, até grandes empresas com milhares de funcionários que fabricam várias centenas de máquinas por ano.
Além do tamanho da empresa, há uma variação significativa nos tipos de máquinas-ferramentas metalúrgicas produzidas, o que as torna muito diversificadas dependendo de seus processos produtivos. Os processos de produção mais convencionais são corte e conformação: 1) Máquinas de usinagem (por exemplo, fresadoras, retificadoras ou mandriladoras) criam uma forma a partir de uma chapa ou bloco de metal usando uma ferramenta com uma ou mais arestas de corte, enquanto 2) Máquinas para conformação (por exemplo, máquinas de estampar, dobrar ou puncionar) criam uma forma aplicando uma força e usando ferramentas de formato especial.
Além destes é possível encontrar outros processos de produção “menos convencionais”, como corte a laser, corte por jato de água, usinagem por eletroerosão, ou a combinação de diferentes processos para obtenção de componentes mais complexos.
CUSTOMIZAÇÃO – Levando em consideração a alta variação no tamanho da empresa e nos processos de produção, e somando-se a isso o alto nível de customização em termos de peça, materiais, automação, velocidade e desempenho, pode-se concluir que as máquinas-ferramenta são de fato um grupo de produtos altamente heterogêneo. Raramente existem duas máquinas-ferramenta idênticas no mercado.
Como os requisitos do produto são muito diferentes dependendo de sua aplicação, as máquinas-ferramenta raramente são produzidas em massa e, na maioria dos casos, são necessárias modificações em seu projeto básico para atender aos requisitos específicos dos clientes em termos de geometria da peça ou desempenho de produção. Tal alto nível de personalização inevitavelmente exige que os fabricantes de máquinas-ferramenta ofereçam uma ampla gama de serviços ao cliente, incluindo engenharia de aplicação, manutenção, reparo e treinamento de operadores no local. Por esta razão, hoje em dia, os fabricantes do setor estão fornecendo cada vez mais soluções de produção aos seus clientes, em vez de apenas máquinas individuais.
ECONOMIA CIRCULAR – O conceito de economia circular vai além da reciclagem de materiais de produtos. Os elementos-chave a serem considerados são a vida útil, a reutilização e a remanufatura dos produtos, que permitem que eles retenham o máximo de valor na economia pelo maior tempo possível. Nesse sentido, as máquinas-ferramentas representam um campo ideal para aplicar abordagens de economia circular, pois são produtos com longa vida útil, altamente propensos a serem reparados, reutilizados e remanufaturados. Dados fornecidos por fabricantes associados à Cecimo mostram que, em média, 80% das máquinas ainda estão em serviço dez anos após a instalação, enquanto 65% ainda estão em serviço após 20 anos.
De acordo com os dados do estudo preparatório Ecodesign sobre máquinas-ferramenta, 80% das máquinas-ferramenta são adaptadas e recondicionadas quando têm entre cinco e 15 anos, dependendo do setor específico e da aplicação. Isto porque as máquinas-ferramentas geralmente são projetadas de forma modular. Para reduzir o tempo de inatividade da máquina em caso de problemas, o acesso aos principais componentes para substituição é levado muito em consideração no projeto da máquina. Isso simplifica a manutenção, ajuda a reduzir os custos de construção e facilita a remanufatura e a desmontagem no final da vida útil.
As máquinas-ferramenta são muito diversas. Porém, em torno de 83% de uma máquina são principalmente de ferro fundido, aço soldado e outros materiais metálicos. Esses materiais são facilmente recicláveis e podem ser usados para produzir novos produtos repetidamente sem perda de qualidade. Além disso, os componentes metálicos são economicamente valiosos, e há um incentivo para que o metal seja recuperado durante o descarte de máquinas-ferramenta no final de sua vida útil – seja pelo fabricante ou por empresas terceira dedicadas.
De acordo com a Ellen MacArthur Foundation, o objetivo geral da economia circular é reter o máximo de valor possível pelo maior tempo possível na economia, também em termos de materiais de produtos. Assim, a predominância de materiais recicláveis como ferro fundido, aço e outros metais na composição de máquinas-ferramenta facilitam muito a capacidade do setor de substituir as matérias-primas primárias por matérias-primas secundárias recicladas, de forma circular.
EXTENSÃO DA VIDA ÚTIL – As máquinas-ferramenta estão se tornando cada vez mais modulares em seus projetos, a fim de reduzir o tempo de inatividade causado por um acidente e permitir um acesso fácil e rápido aos principais componentes sempre que necessário ser substituídos ou atualizados. Para facilitar a adoção dessa prática, é essencial usar ou desenvolver diretrizes ou padrões dedicados que possam garantir a conformidade dos produtos com os requisitos regulatórios, aumentar suas taxas de remanufatura e reparo e, finalmente, reduzir o impacto ambiental geral dos fabricantes.
MANUTENÇÃO – Reduzir o tempo de inatividade da máquina-ferramenta e garantir a qualidade do produto são aspectos importantes a serem considerados pelos clientes dos fabricantes de máquinas-ferramenta. No entanto, tanto a qualidade do produto quanto o tempo de inatividade da máquina dependem muito da condição do equipamento. A digitalização e o monitoramento permanente e remoto da condição do maquinário permitem reduzir os tempos de parada por meio da detecção precoce de possíveis problemas antes da falha da máquina-ferramenta. Isso é alcançado através da implementação da manutenção preditiva, que aumenta a confiabilidade e a disponibilidade do produto, permitindo-nos estender a vida útil dos produtos de máquinas e, em última análise, reduzir o impacto ambiental geral.
As tecnologias digitais, como Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT) ou Blockchain, são um elemento chave para a implementação da manutenção preditiva, uma vez que permitem que máquinas e sistemas de produção se liguem, trabalhem em conjunto e partilhem, analisem e processem dados. Essas tecnologias usam dados históricos e em tempo real das operações da máquina para antecipar problemas antes que eles ocorram,estritamente com base na condição real do equipamento, em vez de estatísticas de vida média ou esperada.
De acordo com vários estudos, o uso da manutenção preditiva nos permite diminuir o tempo total de inatividade da máquina em 30-50%, enquanto aumenta a vida útil da máquina em 20-40%. Além de aumentar a eficiência das operações de manutenção, os dados dos equipamentos também podem auxiliar no reparo de máquinas. Ter o histórico de dados de uma máquina significa que os fabricantes conhecem o desgaste de cada componente e, portanto, fica mais fácil identificar os componentes que requerem trabalho intensivo ou substituição e aqueles que requerem apenas pequenos ajustes ou nenhum reparo.
RETROFITE – Após dez ou mais anos de operação, os componentes mecânicos das máquinas-ferramentas geralmente ainda estão em boas condições. Porém, as tecnologias de controle e acionamento sempre avançam de forma constante, introduzindo novas funções que tornam a produção mais econômica, mais eficiente em termos de energia e, portanto, mais sustentável no longo prazo. Retrofite é um processo que melhora as especificações originais da máquina-ferramenta por meio de procedimentos, como substituição de componentes, módulos ou adição de novas tecnologias que prolongam sua vida útil. Desde a adaptação é capaz de restaurar ou mesmo aumentar a confiabilidade necessária de uma máquina a um custo menor do que comprar uma nova.
As tecnologias digitais desempenham um papel importante nos processos de retrofite, principalmente com o uso de habilitadores inteligentes com componentes físicos e digitais que podem adicionar recursos às máquinas-ferramentas. A vida útil das máquinas-ferramentas pode ser estendida através do uso de várias tecnologias digitais, incluindo, entre outras, tecnologias de Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT) ou Blockchain. Isso pode melhorar a transparência, o monitoramento de desempenho, as operações orientadas por dados e, por sua vez, aumentar o ciclo de vida de um
máquina-ferramenta. De fato, a adaptação permite que os fabricantes aproveitem plenamente os benefícios dos avanços tecnológicos no conceito de máquina existente e a tornem uma máquina de última geração, sem ter que comprar uma nova, reduzindo significativamente o impacto ambiental da suas atividades fabris.
O tipo mais comum de retrofite no setor de fabricação de máquinas-ferramenta é o processo de substituição dos sistemas CNC e fuso em uma máquina mecanicamente sólida para prolongar sua vida útil.
Especialmente em termos de economia de energia, quando combinado com os processos de usinagem mais eficientes fornecidos pelo CNC, o consumo de eletricidade da máquina pode ser reduzido em até 30% a 50%, reduzindo assim o impacto ambiental geral impacto dos fabricantes de máquinas-ferramenta. Como resultado, os processos de retrofit, por meio do uso de tecnologias digitais, podem melhorar o desempenho ambiental das máquinas-ferramenta e seu nível de circularidade, estendendo sua vida útil muito além de seu potencial básico.
REMANUFATURA – A remanufatura é “a reconstrução de um produto de acordo com as especificações do produto original fabricado usando uma combinação de peças reutilizadas, reparadas e novas”, após o reparo ou substituição de peças desgastadas ou componentes e módulos obsoletos. Este processo é fundamentalmente diferente de outros produtos de recuperação de processos, porque espera-se que uma máquina remanufaturada corresponda às mesmas expectativas do cliente de novas máquinas.
Na verdade, os produtos remanufaturados geralmente são de melhor qualidade, porque uma vez devolvidos são totalmente desmontados, permitindo o diagnóstico completo dos modos de falha. Além do mais oferecendo vantagens consideráveis em termos de qualidade do produto, custos de produção e tempos de inatividade. A remanufatura também traz benefícios ambientais consideráveis que podem aumentar o escopo para uma fabricação sustentável.
Em nossa opinião, a adoção generalizada de processos de remanufatura pelos fabricantes é um requisito fundamental para alcançar uma economia circular que funcione bem a nível europeu, especialmente devido aos seus inúmeros benefícios ambientais.
Em primeiro lugar, a remanufatura preserva grande parte do material contido no produto original e, portanto, menos matérias-primas são usadas do que na fabricação de novos produtos. Isso é particularmente importante quando se trata de matérias-primas críticas, que são altamente propensas a riscos na cadeia de suprimentos.
Em segundo lugar, ao limitar as quantidades de matérias-primas extraídos/reciclados e a fabricação de novos componentes, utiliza-se menos energia do que fabricando novos produtos desde o zero.
Em terceiro lugar, e consequentemente, a redução no consumo de energia alcançada através da remanufatura é geralmente acompanhada por uma redução geral das emissões de CO2. Ao manter os componentes e seus materiais incorporados em uso por mais tempo, o uso significativo de energia e as emissões de CO2 para o ar e a água podem ser reduzidos.
MANUFATURA ADITIVA – A manufatura aditiva (AM) pode desempenhar um papel crucial no apoio à transição do setor para uma economia circular, tornando a remanufatura e o reparo mais fáceis e econômicos.
Muitas vezes, as peças necessárias para reparo podem não estar disponíveis, podem demorar muito para serem entregues ou podem não ser econômicas. AM permite que as peças de reposição sejam impressas sob demanda e mais perto de onde são necessárias, reduzindo assim desperdício de estoque e tempo de espera do cliente.
A reparação de componentes danificados permite que as máquinas durem mais e evita a produção de novos, oferecendo consideráveis benefícios ambientais além dos econômicos. De acordo com uma avaliação comparativa do ciclo de vida (LCA) realizada em pás de turbina, a reparação de uma pá de turbina danificada por AM, em comparação com a produção de uma nova por fundição, pode alcançar economias de energia e pegada de carbono de 36% e 45%, respectivamente. (Franco Tanio)