Aplicativo ajuda imigrantes, refugiados e deslocados internos encontrar entidades e serviços de apoio
A organização não governamental carioca Instituto Igarapé acaba de lançar o aplicativo OKA, destinado a imigrantes, refugiados, solicitantes de refúgio e deslocados internos que necessitem de serviços de apoio e não sabem – ou não têm meios – de acessá-los. Para usar o aplicativo, não há necessidade de conexão com a internet.
De acordo com a pesquisadora Lycia Brasil, que liderou o desenvolvimento do aplicativo, foram mapeados todos os serviços privados e órgãos encarregados de políticas estatais do país que são voltados para esse público.
“A ideia é fazer com que o conjunto de dados seja também georreferenciado, isto é, que também informe graficamente aonde as pessoas podem ter acesso aos serviços que estão identificados”, explica. Segundo a pesquisadora, já se encontram georreferenciados os serviços do Rio de Janeiro e Boa Vista, capital de Roraima. Os demais programas em nível nacional receberão os dados da georreferência aos poucos.
O Rio de Janeiro foi escolhido para abrir a série de capitais que estarão plenamente representadas no aplicativo porque a cidade é a sede da ONG e esta tem comunicação direta e já realizou pesquisas com a rede de atendimento para os diversos públicos-alvo do aplicativo.
Já a escolha de Boa Vista deveu-se ao desenvolvimento de pesquisas de campo feitas pelo Instituto Igarapé no estado de Roraima. Ali, a equipe do instituto fez contato com as redes de atendimento locais, especialmente aqueles voltados para refugiados e imigrantes venezuelanos, que têm entrado em grande número ali.
Os dados nacionais foram coletados, principalmente, de programas do governo federal, em cinco categorias: moradia, educação, saúde, documentação e assistência social e jurídica. “Além do mais, a gente mapeou as comunidades que fazem atendimento especializado e contatos de emergência”, diz Lycia.
O grande diferencial do OKA, segundo a pesquisadora, é que uma vez baixado o aplicativo na internet, todas as informações podem ser acessadas mesmo sem conexão com a rede. A pesquisa efetuada em Boa Vista mostrou que essa era uma demanda dos imigrantes. “A maioria dos venezuelanos tinha celular, mas a estrutura do próprio estado de Roraima era precária em termos de energia e conexão”, explica. “Daí, a ideia de desenvolver o aplicativo para funcionar também de maneira off-line”.
DEMANDAS ESPECÍFICAS – As próximas localidades contempladas com o aplicativo serão São Paulo e Foz do Iguaçu (PR), que recebem grande número de imigrantes. A expectativa é liberar esses dados ainda neste primeiro semestre. Belo Horizonte (MG), onde há grande número de deslocados internos, deverá ser incluída em uma próxima etapa. “Ali existe uma total falta de acesso à comunicação”, diz Lycia. Ela acredita que a ferramenta tecnológica vai ajudar a reverter essa situação: “A gente pretende se especializar nas demandas específicas de cada região”.
O aplicativo vai atender também a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bi, trans, queer/questionando, intersexo, assexuais/arromântiques/agênero, pan/poli e mais). No Rio de Janeiro e Boa Vista, foram mapeadas todas as comunidades que têm esse tipo de serviço, seja de acolhida, seja de proteção, para esse público cujas demandas são mais específicas.
O instituto conseguiu mapear também o fluxo de atendimento quando acontece violência doméstica ou violência sexual, porque muitas migrantes não sabem que não precisam de Boletim de Ocorrência (BO) para ir a um hospital. “Na verdade, o próprio hospital não sabe que não precisa de um BO para fazer o atendimento”.
Lycia disse que, ao mesmo tempo em que presta um serviço para refugiados, imigrantes e deslocados internos, o aplicativo auxilia na integração dessas pessoas à população local. “Essa é uma das grandes ideias do aplicativo: facilitar o acesso à informação e buscar melhores caminhos para integração dos deslocados à sociedade brasileira”. Segundo Lycia, a falta de conhecimento proporciona, muitas vezes, a criação de um ambiente de violação de direitos.
NÚMEROS CRESCENTES – Segundo dados divulgados pelo relatório internacional “Refúgio em Números”, o Brasil reconheceu, até o final de 2017, um total de 10.145 refugiados de diversas nacionalidades. Desses, apenas 5.134 continuam com registro ativo no país, sendo que 52% moram em São Paulo, 17% no Rio de Janeiro e 8% no Paraná. Os sírios representam 35% da população refugiada com registro ativo no Brasil.
O ano de 2017 foi o maior em número de pedidos de refúgio, desconsiderando a chegada dos venezuelanos, que incluídos elevam o total para 33.866. Sem eles, foram 13.639 pedidos, diante de 6.287 em 2016, 13.383 em 2015 e 11.405 em 2014. Ou seja, os venezuelanos representaram mais da metade dos pedidos realizados. Na sequência estão os cubanos, haitianos e angolanos. Os estados com mais pedidos de refúgio são Roraima, São Paulo e Amazonas, segundo dados da Polícia Federal.
A situação não melhorou nada em 2018 – só piorou. Foram 41.915 pedidos nos primeiros sete meses do ano, superando o total de todo o ano de 2017, com a grande maioria sendo também de venezuelanos. O estado que recebeu o maior número de pedidos foi o de Roraima.
O número de deslocados internos também vem aumentando no Brasil. O Instituto Igarapé reuniu os números do fenômeno no país: 7,7 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas entre 2000 e 2017 – ou seja, uma pessoa por minuto. A maioria das pessoas deslocadas – cerca de 6 milhões – foi obrigada a se mudar devido a desastres, como inundações e deslizamentos de terra. Obras de infraestrutura, como barragens hidrelétricas e estradas, provocaram o deslocamento de quase 1,3 milhão de pessoas no país. A violência também contribuiu.
Com relação aos imigrantes, dos 5.570 municípios, 3.432 tiveram pelo menos um registro de imigrante internacional – entre sírios, bolivianos, haitianos, cubanos e venezuelanos – entre os anos de 2000 e 2015, mostrando que há crescente capilarização da migração no país.
Os dados estão no levantamento feito por pesquisadores do Observatório das Migrações em São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), financiada pela Fapesp, que deu origem a um Atlas Temático. Segundo o atlas, em Sergipe, por exemplo, 43 municípios registraram a presença de pelo menos um imigrante no período, enquanto no Ceará foram 119 municípios nesta situação. (texto: Alberto Mawakdiye/imagem: reprodução)
Fonte: Ipesi