Na guerra da Ucrânia, semicondutores e eletrônicos têm papel de alta relevância

Os semicondutores são componentes estratégicos especialmente no mundo cada vez mais conectado e que ao mesmo tempo os nacionalismos florescem. Os EUA e a China, que disputam a hegemonia no planeta, investem forte na área, embora, por enquanto, os principais hubs de produção de chips estejam em Taiwan e Coreia do Sul, que juntos detêm 39% da fabricação global de chips e de quase todos os chips mais avançados. O domínio do desenvolvimento e da produção de semicondutores ganha destaque cada vez maior e hoje ter acesso a eles torna-se tão quase tão importante como ter o fornecimento de petróleo e gás, já que esses componentes estão presentes em praticamente todos os equipamentos com conteúdo tecnológico mais avançado.
No contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia, países alinhados aos EUA e os 30 países que fazem parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Nato), anunciaram sanções das mais diversas à Rússia e, entre elas, como esperado, estão a proibição das exportações de semicondutores e de partes e peças eletrônicas com destino a Rússia, o que pode causar sérios problemas à indústria do país, especialmente a bélica, muito dependente das importações. “Vamos impactar sua (da Rússia) capacidade de competir na economia do século 21”, disse o presidente dos EUA Joe Biden, no dia 24 de fevereiro, em uma entrevista coletiva na Casa Branca, explicando as sanções.
Também no dia 24 de fevereiro, quando a Rússia lançou ataque à Ucrânia, o presidente e CEO John Neuffer da Semiconductor Industry Association (SIA), que representa os interesses da indústria de chips nos EUA, declarou: “A indústria de semicondutores dos EUA está totalmente comprometida em cumprir as novas regras de controle de exportação anunciadas hoje em resposta aos eventos profundamente perturbadores que se desenrolam na Ucrânia. Ainda estamos revisando as novas regras para determinar seu impacto em nosso setor. Embora o impacto das novas regras para a Rússia possa ser significativo, a Rússia não é um consumidor direto significativo de semicondutores, respondendo por menos de 0,1% das compras globais de chips, de acordo com a organização World Semiconductor Trade Statistics (WSTS). O mercado russo de TIC mais amplo totalizou apenas cerca de US$ 50,3 bilhões do mercado global de US$ 4,47 trilhões, de acordo com dados de 2021 da IDC.”
É importante destacar que os EUA não estão entre os países que mais produzem semicondutores. Na década de 1990, os EUA chegaram a produzir 37% dos chips do mundo, mas essa participação caiu para apenas 12% atualmente. Porém, empresas do país são dominantes na produção de softwares para o desenvolvimento chips e produtos eletrônicos. Tanto é assim que consultores especializados na área afirmam que “dificilmente há um semicondutor no planeta que não seja feito com ferramentas dos EUA ou projetado com software dos EUA.”
No dia seguinte da invasão da Ucrânia, Taiwan anunciou que se juntava às sanções internacionais contra a Rússia. O impacto dessa decisão pode ser devastador. A Rússia, de acordo com a Investment Monitor, é totalmente dependente da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) para os semicondutores de ponta necessários para a fabricação de laptops e smartphones a equipamentos militares e de segurança do país. “A TSMC cumpre todas as leis e regulamentos aplicáveis e está totalmente comprometida em cumprir as novas regras de controle de exportação anunciadas”, declarou a multinacional taiwanesa. A TSMC é a maior fabricante de chips por contrato do mundo. Quase todas as instalações da TSMC estão localizadas em Taiwan.
A Coreia do Sul também decidiu reforçar os controles sobre as exportações de itens estratégicos para a Rússia – incluindo eletrônicos e semicondutores. A gigante sul-coreana Samsung decidiu suspender as remessas de smartphones e de chips para a Rússia, conforme divulgado no dia 5 de março, depois de Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro da Ucrânia e Ministro da Transformação Digital, pedir à Samsung para interromper temporariamente o fornecimento de serviços e produtos na Rússia, enviando uma carta ao vice-presidente da companhia, Han Jong-hee.
EFEITOS – Para se ter ideia do estrago que falta de eletrônicos pode causar à indústria bélica russa, no início de 2017, forças ucranianas que lutavam contra separatistas apoiados pela Rússia derrubaram um drone de quase dois metros de comprimento, que realizava vigilância no leste da Ucrânia. Ao abrir o drone, pesquisadores constataram que nele havia componentes eletrônicos fabricados por meia dúzia de empresas ocidentais. O motor veio de uma empresa alemã que fornece produtos para os aficionados de aeromodelos. Chips de computador para navegação e comunicação sem fio foram feitos por fornecedores dos EUA. Uma empresa britânica forneceu um chip de detecção de movimento. Outras partes vieram da Suíça e da Coreia do Sul, diz matéria de Jeanne Whalen, publicada em fevereiro no The Washington Post.
Sabe-se que a União Soviética possuía diversas pequenas fábricas de semicondutores produzindo chips, principalmente para uso militar. Mas o colapso soviético empurrou a Rússia para um longo período de turbulência que frustrou o desenvolvimento de indústrias de tecnologia e manufatura.
“A indústria de microeletrônica foi completamente dizimada na década de 1990”, disse Sam Bendett, analista militar russo do grupo de pesquisa CNA, com sede na Virgínia. “Era apenas mais fácil importar essas tecnologias, que estavam amplamente disponíveis no mercado global”, declarou à imprensa norte-americana.
Porém, sabe-se que cortar o acesso da Rússia aos semicondutores e partes e peças eletrônicas não é tão simples, já que é de conhecimento de todos que existem fontes alternativas de fornecimento, especialmente se as quantidades forem relativamente pequenas.
CHINA – Outra fonte de fornecimento de semicondutores e partes e peças eletrônicas pode ser a China, que pode simplesmente furar o bloqueio. Sabe-se que nos anos mais recentes o país vem aumentando a produção doméstica de chips e o domínio tecnológico.
O programa “Made in China 2025” prevê que 70% da demanda de semicondutores da China sejam atendidos por meio da produção doméstica até 2025. A ideia é aumentar essa porcentagem para 80% até 2030, apoiado por um investimento projetado de US$ 150 bilhões por meio de programas patrocinados pelo governo chinês. Sabe-se que desde 2014, a China já investiu quase US$ 80 bilhões na indústria de semicondutores.
O programa chinês vem dando resultados. De acordo com relatórios recentes da Semiconductor Industry Association (SIA) indicam que China detinha 9% da indústria de semicondutores em 2020; naquele ano, mais 15.000 empresas chinesas foram registradas como de semicondutores. Hoje, 75% da fabricação de semicondutores ocorre na China e no Leste Asiático. Além disso, a pesquisa mais recente da associação detalha uma expansão da cadeia de suprimentos de fabricação de semicondutores domésticos da China. O país adicionou 28 novas instalações com um investimento de US$ 26 bilhões.
MATÉRIAS-PRIMAS – Se indústria russa pode sofrer com a falta de chips, a própria indústria de semicondutores pode ter dificuldades para obter matérias-primas essenciais para produzi-los. Tanto a Rússia quanto a Ucrânia são exportadores de matérias-primas usadas na fabricação de chipsets e semicondutores, como paládio, que é usado em chips de memória e sensores, e gás neon, que é usado para gravar os circuitos.
No caso do paládio, a Rússia é responsável por 45% da oferta global. Os preços da matéria-prima subiram para máximas históricas por temores de interrupções no fornecimento da Rússia em meio a sanções.
De acordo com John Neuffer, presidente da Semiconductor Industry Association (SIA), a indústria de semicondutores tem um conjunto diversificado de fornecedores de materiais e gases-chave. “Por isso não acreditamos que haja riscos imediatos de interrupção do fornecimento relacionados à Rússia e à Ucrânia”, declarou.
Porém, os preços do paládio dispararam para máximas históricas por temores de interrupções no fornecimento. Conforme divulgado no último 7 de março pela Kitco News, os preços futuros de paládio de junho subiram acima de US$ 3.400 a onça, apresentando mais de 70% de aumento no acumulado do ano.
GASES – A Ucrânia é um dos mais importantes fornecedores de gases essenciais para produção de semicondutores, incluindo neônio, argônio, criptônio e xenônio. Segundo a TrendForce, empresa que atua na área de inteligência de mercado, o país fornece quase 70% do gás neônio ao mundo, embora a proporção de gás neônio usado em processos de produção de semicondutores não seja tão alta quanto em outras indústrias.
A companhia acredita que, embora o conflito ucraniano-russo possa afetar o fornecimento de gás inerte regionalmente, fábricas de semicondutores e fornecedores de gás estão estocados e ainda há suprimentos de outras regiões. Assim, as interrupções da linha de produção de gás na Ucrânia não interromperão a produção de semicondutores no curto prazo. No entanto, a redução na oferta de gás provavelmente redundará em preços mais altos, que podem aumentar o custo de produção de wafers.
Os gases inertes são usados principalmente em processos de litografia de semicondutores. Quando o tamanho do recurso do circuito é reduzido para menos de 220 nm, ele começa a entrar no território dos lasers excimer de fonte de luz DUV (ultravioleta profundo). A mistura de gás inerte necessária no laser excimer DUV contém gás neon. O gás neon é indispensável nesta mistura e, portanto, difícil de substituir.
O processo de litografia de semicondutores que requer gás neon é principalmente a exposição ao DUV e abrange a produção de wafer de 180nm de 8 polegadas a de wafer de 1Xnm de 12 polegadas.
A pesquisa da TrendForce mostra que, em termos de foundries, a capacidade de produção global de wafers de 180~1Xnm é responsável por aproximadamente 75% da capacidade total. Exceto para TSMC e Samsung, que fornecem processos avançados de EUV (Extreme ultraviolet lithography), para a maioria das fábricas, a proporção de receita atribuída aos wafers de 180~1Xnm excede 90%. Além disso, os processos de fabricação de componentes em extrema escassez desde 2020, incluindo PMIC, Wi-Fi, RFIC e MCU, estão todos dentro da faixa de “nodes” de 180 ~ 1Xnm. Em termos de DRAM, além da Micron, os fabricantes coreanos estão aumentando gradualmente a proporção de nós de 1 alfa nm (usando o processo EUV), mas mais de 90% da capacidade de produção ainda emprega o processo DUV. Além disso, toda a capacidade NAND Flash utiliza a tecnologia de litografia DUV. (Franco Tanio)