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A crise hídrica é a energia propulsora de transformações

Antes fossem nuvens de chuva, as sombras que começam a escurecer e ameaçar a sociedade brasileira. Mais uma vez, vivemos o drama de possíveis apagões e racionamentos de energia, para se somarem aos desafios gerados pela pandemia. Falta, como quase sempre, inteligência em gestão.

É inegável que nossa matriz energética esteja em um processo de diversificação positiva, com o aumento de eólicas, solares e biomassa. O meio ambiente agradece. Mas ainda é pouco. Implacável, o tempo se vinga dos maus tratos causados pelo homem e se recusa a fazer chover onde precisa, já que ainda temos 60% de nossa energia dependente das hidrelétricas. A estiagem obriga as termelétricas – mais poluentes e caras – a entrarem em cena, causando danos financeiros e ambientais ao país e ainda assim, não garantirão luz ao final do túnel.

Nesse cenário temos a tentativa de gerir uma crise que não precisava existir.A regulação do setor elétrico brasileiro tem por base a oferta de energia sempre estar preparada para a demanda. E o consumo, para a grande maioria dos clientes, sempre foi cobrado pelo volume consumido, independente da fonte ou horário: é a tarifa vezes o quilowatt-hora (kWh).

Essa estrutura de cobrança fez com que a maior parte dos consumidores passasse a apresentar hábitos ruins, concentrando o uso de aparelhos elétricos ao longo da tarde e início da noite, e não de acordo com a disponibilidade de energia.

Em boa parte das casas brasileiras a variação de consumo chega a 40% do gasto médio diário, com picos de 78.000 MWm e madrugadas em torno de 52.500 MWm. A concentração de consumo é ruim porque todo o sistema elétrico precisa ser dimensionado para suportar o pico, demandando investimentos em ativos ociosos com custos repassados na tarifa de energia.

Para o consumidor mudar seus hábitos, ele deve ser comunicado de forma clara e é preciso uma revisão completa no modelo de tarifa de energia, com a medição ocorrendo a cada hora. Isto é possível através da adoção de medidores inteligentes de energia. E a implementação desta tecnologia no país está atrasada.

Enquanto na Ásia há mais de 700 milhões de medidores inteligentes instalados, na Europa, há mais de 120 milhões e nos Estados Unidos, mais de 100 milhões. Já no Brasil existem apenas 3 milhões em operação, e mais da metade deles sequer permite a medição de consumo a cada hora.

A maioria dos países desenvolvidos tem o objetivo de ter ao menos 80% dos consumidores atendidos com medidores inteligentes a partir deste ano.

Por aqui podemos aproveitar a crise para acelerar um programa de medição inteligente para ao menos 50% do consumo em baixa tensão, iniciando pelos maiores clientes.

A visão precisa ser ampla, passando pelo processo industrial, pelas barreiras de especificações técnicas e comerciais, e pela rápida implantação de sistemas de comunicação. Com acesso aos dados o consumidor vai receber prêmio por fazer algo bom para ele e para todos. São benefícios individuais que promovem ganhos coletivos.

Na busca por eficiência é primordial o estabelecimento de preços condizentes com o custo da fonte de geração de energia, que reflitam com precisão a realidade operativa, se estão sendo usadas usinas caras ou baratas. Somente assim é possível induzir comportamentos eficientes e o uso racional.

Desde janeiro de 2021, entrou em operação no Brasil a precificação individualizada por hora. O modelo proposto varia pouco dentro de um mesmo dia, de modo que ao deslocar o consumo do horário de pico para um período de preço baixo (lavar roupa de madrugada, tomar banho depois das 20 horas etc.), o benefício econômico do consumidor é pequeno. Fazem-se necessárias outras vantagens.

Pesquisas recentes, divulgadas no início de agosto pela Abraceel mostram que 81% dos consumidores gostariam de escolher seus fornecedores de energia.

Cinco medidas contribuiriam para atender  esses anseios, elevando a eficiência do setor energético no país:

– Medidores inteligentes

A instalação desses equipamentos nos clientes de baixa tensão deve ser tratada como uma emergência. Os desafios de importação, fabricação, instalação, tributação etc., precisam ser encarados com um ‘amplo plano de guerra’.

– Separação entre os serviços de rede e o fornecimento de energia

Toda vez que se fala em reduzir consumo, as distribuidoras entram em pânico e com razão: cerca de 60% dos investimentos realizados são recuperados de forma proporcional ao consumo de baixa tensão. Se há incentivos à redução, há perda de remuneração. Como superar este impasse?

Uma das formas é rever a estrutura tarifária, vigente desde 1970. As distribuidoras hoje possuem dois negócios: constroem a rede elétrica que conecta os consumidores, e comercializam energia de forma regulada pela Aneel. A separação das duas atividades é urgente, e os modelos de negócio precisam ser revistos.

– Modernização das tarifas

É necessária uma cobrança pelo consumo no horário de pico e outra pelo acumulado, e a remuneração das distribuidoras tem que ser vinculada à qualidade e não ao volume de investimentos. Quanto menos a empresa gastar para prestar um serviço de qualidade, melhor para ela e para os consumidores!

– Liberdade aos consumidores

É preciso permitir que mesmo os menorzinhos possam migrar ao mercado livre. Vários dos custos extras desapareceriam com o direito de escolha.

– Sistemas de armazenamento

Se o problema é de consumo no horário de pico, ele pode ser resolvido carregando-se uma bateria durante a madrugada e descarregando-a no horário de pico. O consumo total de energia seria o mesmo, mas as redes elétricas e as usinas não ficariam sobrecarregadas por algumas horas do dia.

Adicionalmente, as baterias associadas a usinas solares e eólicas podem ser carregadas em seus picos de produção e podem injetar energia na rede nos momentos de maior consumo.

Essas sugestões são preliminares e precisam ser estruturadas pela Aneel e pelo MME. Mas não há mais como adiar debates e nem ações urgentes. Já cansamos de ver os sinais nos céus de que precisamos entrar em um outro patamar de inteligência em gestão energética. A sociedade e a economia já tomaram choques demais e agora clamam por uma profunda reforma na regulação do setor elétrico nacional.

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(*) O autor é CEO da Thompson Management Horizons.

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