Brasil pode melhorar integração nas cadeias globais de valor
A crise provocada pela pandemia de Covid-19 mostrou a fragilidade das cadeias globais do modo como foram estruturadas e provocou uma reavaliação tanto por empresas, mas sobretudo pelos governos, da dinâmica do comércio exterior. O risco de depender de uma ou duas fontes de fornecimento de insumos e de produtos se mostrou evidente e a procura, ao menos para alguns seguimentos, passou a ser por diversificar geograficamente, permitindo a entrada de novos atores nas cadeias globais.
Uma maior diversificação regional das cadeias poderá permitir ao Brasil uma melhor integração nas cadeias globais de valor (CGVs), conforme mostra estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com a Totvs e elaborado pelos pesquisadores Tim Sturgeon e Mark Dallas, do Industrial Performance Center do Massachussets Technology Institute (IPC-MIT) e do Union College, respectivamente.
As exportações do Brasil dependem cada vez mais de recursos naturais pelo fato do país não ter entrado nas CGVs. Na prática, o papel do Brasil na economia global é, principalmente, como exportador de commodities primárias ou produtos baseados em recursos naturais. Para se ter ideia, levantamento da CNI mostra que, de 2001 a 2020, a participação de soja, petróleo bruto e minérios subiu de 11% para 35% da pauta exportadora do Brasil. Uma concentração sem precedentes.
Com isso, o país gera receita em exportações, que é relevante, mas deixa de lado uma importante forma de integração ao comércio global que pode gerar mais benefícios econômicos e sociais ao país. Dessa forma o Brasil desempenha bem em exportações primárias, mas está mal colocado quando se fala de outros aspectos de uma boa integração em cadeias globais, como comando e controle das cadeias (inovação), exportação de partes e componentes (intensivo em conhecimento) ou processamento para exportação. Em linhas gerais, o país tem aprofundado seu déficit em produtos de alta e média intensidade tecnológica sem escalar em resultados exportadores.
O trabalho constatou também que o Brasil registra baixo nível de investimentos de suas empresas no exterior, que é uma das formas principais de ter um papel mais protagonista nas CGVs. O estudo mostra que o Brasil tem a menor relação entre entrada e saída de investimentos, com o investimento no exterior tendo representado 11% do recebido pelo país entre 1970 e 2018. Esse número é o muito menor do que o apresentado pelas principais economias. Como exemplo, na Índia é de 33%, na China 61%, na Rússia 114%, nos EUA 103%, na Coreia do Sul 176% e na Alemanha 192%.
O volume de investimentos estrangeiros no país, por outro lado, é bastante elevado, porém, com empresas voltadas para atender o mercado interno brasileiro, em muitos casos com grande conteúdo tecnológico importado. A não exportação de bens de maior valor agregado significa perda de oportunidade de se ter ganhos de escala maiores e de se ampliar investimentos produtivos no país.
Um realinhamento da dinâmica do comércio exterior pode ser uma oportunidade de reposicionamento mais estratégico do Brasil, na avaliação do superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI, Renato da Fonseca. “O Brasil perdeu o momento de entrar nas cadeias globais quando elas se formaram. Porém, com as reorganizações das cadeias globais de valor, abre-se uma nova oportunidade para o país se integrar no comércio mundial”, afirma.
Fonseca também destaca que “para não perder essa oportunidade é preciso que o governo reduza o Custo Brasil, em especial, os custos provocados pelo atual sistema tributário e infraestrutura logística, e as empresas precisam investir em inovação, tanto na produção como na gestão”.
DEPENDÊNCIA – O Brasil hospeda um grande número de filiais de empresas multinacionais que importam e produzem, principalmente, para o mercado doméstico. Segundo o estudo, são empresas com alta dependência de importações de intensidade tecnológica e que produzem de forma mais significativa para o mercado interno, como veículos automotivos e eletrônicos.
No caso das filiais presentes no Brasil, a inovação continua enraizada nos países desenvolvidos, em suas sedes, ou migrando para a China em alguns casos. Essa dinâmica, ao lado dos altos custos no comércio de bens e serviços, da carga tributária elevada e complexa, das regras tributárias internacionais desalinhadas com o mundo, da logística ruim e do Custo Brasil como um todo, faz com que a indústria brasileira tenha poucos incentivos para investir fora.
RELAÇÕES COMERCIAIS – A celebração de acordos comerciais com países que estão no centro das CGVs é importante para facilitar a entrada do Brasil nas cadeias. Atualmente a maioria das exportações brasileiras de manufaturados se destina a América Latina, Estados Unidos e Europa.
A entrada nas cadeias globais capitaneadas pelos Estados Unidos pela União Europeia é mais promissora para o Brasil, locais com os quais o Brasil mantém maior fluxo de comércio industrial, investimentos e comércio de serviços. Por essa razão, a CNI defende, prioritariamente, a conclusão e internalização do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Além disso, outras negociações prioritárias são com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, México e América Central.
“Além da revisão de acordos comerciais, o esforço do Brasil em ampliar sua presença internacional também passa necessariamente pela maior digitalização e integração dos processos em busca do aumento da maturidade e da sofisticação na gestão da indústria nacional. Com uma gestão mais moderna, robusta e melhor planejada, é possível ampliar a produtividade, fortalecer o mercado brasileiro e, assim, expandir a participação do país nas cadeias globais de valor”, avalia a diretora de Manufatura da Totvs, Angela Gheller.
As principais recomendações para o Brasil se integrar mais às CGVs são:
- Intensificação dos esforços para a redução do Custo Brasil, em especial com a aprovação da reforma tributária sobre consumo, adoção de um imposto de valor adicionado, sem cumulatividade;
- Intensificação do esforço de promoção das exportações brasileiras e construção de um sistema robusto de financiamento e garantia às exportações;
- Criação de políticas de fomento aos investimentos no exterior. As empresas brasileiras precisarão de maior assistência para financiar e desenvolver um pensamento estratégico voltado para o investimento no exterior. Por sua vez, as empresas devem olhar para fora do Brasil, não apenas para as exportações, mas também para os investimentos no exterior almejando uma expansão global;
- Aceleração da inovação no Brasil, por meio dos programas e das instituições e das instituições de apoio a P&D do país;
- Construção de vínculos mais fortes do Brasil com as CGVs a partir da liderança de empresas fora do Brasil. Se os atritos e restrições comerciais que vieram com a pandemia se tornarem permanentes ou piorarem, pode ser necessário rever acordos e relações comerciais;
- Priorização da relação comercial e acordos comerciais com União Europeia e com os Estados Unidos.
CGVs – As cadeias globais de valor referem-se à separação de atividades e etapas de um processo de produção entre diferentes economias no mundo, liderado pelos investimentos realizados por grandes empresas industriais. Em outras palavras, a cadeia de valor é o “caminho” de produção de um determinado bem. Esse caminho, que é diferente para cada tipo de produto, possui uma série de fases que se conectam: pesquisa e desenvolvimento, a aquisição de insumos, a fabricação, a distribuição e as vendas, até o pós-venda.
O ponto que transforma esse caminho em uma CGV é justamente a distribuição dessas fases em diferentes países ou regiões, a fim de otimizar o processo.
Um automóvel, por exemplo, pode ter seu projeto criado no país 1, chapas de aço no país 2, os softwares usados no carro no país 3, autopeças no país 4 e distribuído para o mundo a partir de um país 5. Sua cadeia de valor é, portanto, dinâmica e global.
Há algumas etapas mais conhecidas nas cadeias como: inovação e controle; processamento de exportação; e exportação de peças e componentes.
Papéis nas CGVs:
1) Inovação e controle
Este papel é mais frequentemente desempenhado por países que concentram as sedes das empresas líderes. Neles são estabelecidas normas e tomadas decisões sobre onde alocar a produção, além de outras funções das CGVs. Por serem compradoras, as empresas líderes têm o poder de selecionar fornecedores e de participar na coordenação explícita da cadeia. Tipicamente, as sedes globais e/ou regionais são onde a P&D são desenvolvidos com maior destaque. Por serem “compradores”, as empresas líderes têm o poder de selecionar fornecedores e de participar na coordenação explícita da cadeia. Tipicamente, as sedes globais e/ou regionais são onde a P&D, concepção e desenvolvimento de produtos e marketing, são desenvolvidos, ou seja, as atividades relacionadas à inovação da EMN (multinacional).
2) Processamento de exportação
Em resumo, os países responsáveis pelo processamento de exportações estão na etapa intermediária da cadeia de valor do bem, com menor valor agregado e retorno financeiro, assim como empregam mais, porém com remuneração também diminuta.
Para os processadores de exportação, a consolidação em atividades restritas, rotineiras e de baixo valor agregado pode manter as empresas e indústrias nacionais presas em segmentos não rentáveis e tecnologicamente rasos da cadeia de valor.
Nas primeiras posições, encontram-se países da Europa Central e Oriental, assim como a Irlanda e vários países da Ásia Oriental, incluindo Taiwan, Singapura, Coreia do Sul, Malásia, Tailândia, Camboja, Vietnã, China e México.
3) Exportação de peças e componentes
Os processadores de exportação que dependem de insumos importados precisam importar peças e componentes. As peças e componentes podem ser simples, mas provavelmente também incluem itens de alto valor, de empresas líderes e compradores globais, incluindo aparelhos eletrônicos, autopeças e tecidos especiais. São produtos, em geral, com alta intensidade de inovação. Os países que desempenham esse papel de fornecedores de peças em componentes desempenham liderança em inovação. Alguns exemplos são Coreia do Sul, Alemanha, Estados Unidos, França e Japão.