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Greve dos caminhoneiros: as lições não aprendidas

O tempo passa e as pessoas acabam por não recordar as verdadeiras causas de certos acontecimentos, que infelizmente são recorrentes, ainda que intermitentes. Por ocasião das reivindicações resultantes da primeira greve dos caminhoneiros ocorrida em 1999, as autoridades representativas da área na esfera federal não compreenderam as verdadeiras razões que as causaram e por decorrência as possíveis soluções para essas paralisações. Isto tem se repetido ao longo de todas essas paralisações realizadas pelos caminhoneiros, desde essa época. Trata-se na verdade de um cenário em que a composição econômica é relativamente simples compreender na sua formação, mas complexa na solução.
Em primeiro lugar é necessário entender o setor do transporte rodoviário de cargas que, segundo dados da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), é composto por cerca de 144.000 empresas, 480.000 caminhoneiros autônomos e cerca de 1.300.000 veículos de transporte de cargas. Trata-se de um setor disperso, sem players significativos que possam exercer pressão ou influência favorável ou contrária às suas questões. Esse setor é formado por um grande número de empresas que contratam os serviços das transportadoras para levar os seus produtos e, além disso, a tecnologia é conhecida e acessível a todos. Em economia, este tipo de mercado é denominado de “concorrência perfeita” e a liderança não pode ser exercida por meio de custos, pois todos se equivalem, uma vez que a tecnologia que proporciona o nível de serviço desejado pelos clientes também é a mesma. O resultado é a prática das menores tarifas possíveis, e por decorrência os menores lucros de quase todos os setores significativos da economia nacional.
Os caminhoneiros autônomos, por sua vez, realizam o transporte de cargas excedentes às capacidades das frotas das transportadoras e o valor que eles recebem é resultante da lei de oferta e demanda. Isto significa que a existência de muita carga para ser transportada proporciona um alto valor pago aos caminhoneiros autônomos e este valor é reduzido caso exista pouca carga a ser transportada.
O Brasil vive uma grave recessão, que atinge em cheio a categoria dos caminhoneiros por diminuição drástica pelos serviços de transporte de bens, que se agravou a partir do término do envio da safra de soja e combinou-se com a desastrosa política de aumentos diários dos combustíveis. O fato de haver diminuição do volume de bens a transportar faz com que os caminhoneiros rodem vazios por muito mais tempo em busca de novos negócios e isto se evidencia de forma mais intensa no peso do custo do combustível e dos pedágios. Sem dúvidas uma receita de perfeita convergência para uma percepção conjunta de que algo precisa ser feito… E realmente precisa.
Uma rápida verificação das pautas de todas as greves faz saltar aos olhos que elas são as mesmas, desde a primeira grande paralisação de 1999: diminuição do custo combustível, diminuição do valor do pedágio, aumento no valor do frete, estradas melhores. Todas as reivindicações recaem direto sobre a necessidade de proporcionar condições de viabilidade econômica para essa atividade e a baixa rentabilidade pode ser constatada através da idade média da frota de longo curso, que são de 24 e 19 anos, dependendo do tipo de veículo. Em resumo, a atividade de caminhoneiro autônomo não gera resultado sequer para a troca do caminhão.
Qualquer solução para a paralisação passa diretamente por uma atitude do Governo Federal, no sentido de diminuir o preço do óleo diesel e diminuir as tarifas dos pedágios e não deve permanecer apenas nestas importantes atitudes. A categoria necessita de soluções estruturais e não apenas conjunturais como a erradicação do PIS/Cofins e Cide até o final do ano, como está ocorrendo nas negociações.
Muitos apontam para a solução baseada em investimento em outros modais, o que não está incorreto desde que este investimento traga retorno maior do que o realizado no modal rodoviário. Também é necessário que se avalie o equilíbrio do sistema logístico de transportes do país, pois qualquer retirada de cargas desse modal desencadeará um movimento semelhante ao que ora ocorre: diminuição do valor do frete e por decorrência novas paralisações.
O problema é muito sério sob o ponto de vista de estratégia de competitividade do país e deve ser profundamente estruturado, analisado e ter as possíveis soluções simuladas de forma a proporcionar resultados para a sociedade e os profissionais da categoria, desde que se tenha aprendido a lição.
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(*) O autor é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas e da Fatec de Americana. É pesquisador das áreas de Logística Empresarial, Logística de Transportes e Operações Aplicada a Logística.

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